Daniel Campos

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29/08/2010 - Desvario

Já passa das dez e nem sinal dos teus pés aos pés da nossa cama. Desesperado, olho para o lado vazio e me jogo sozinho buscando seus olhos de trapézio, sobrevôo o mezanino das horas e caio no revés do drama. Onde está você? Por onde anda que ninguém vê? Quero tanto lhe saber. Deixa lhe procurar, lhe achar, lhe contar à falta que sinto do seu lábio tinto fazendo da minha boca o seu recinto. Não meu amor, não, por favor, acredite, não minto. Sem você tudo é um mais que imperfeito labirinto, são muitas entradas e nenhuma saída. Você apareceu sem saber de onde entregue à lida do amor e, de repente, tudo acabou sem despedida numa quase vida.

Canalhas, os ladrões roubaram minhas lembranças, cortaram o fio do tempo com suas navalhas. É como você nunca tivesse existido por mais que eu sabia que existiu fevereiro, março, abril... Foram muitos dias de uma felicidade gentil. Muitos dias os quais fiz questão de entregar as suas fantasias. E agora, tudo se perdeu. A realidade enlouqueceu. Procuro suas pistas, seu reflexo no fundo das minhas vistas, suas pétalas nos floristas... Mas não consigo escutar o seu eu caminhando pelo assoalho do quarto, tampouco enveredar pelo atalho que leva ao seu tato. Seu retrato sumiu do portaretrato e já não sei até onde esse amor aconteceu de direito e de fato.

Já passa das dez e nem sinal dos teus pés aos pés da nossa cama. Será que foi à rua e se perdeu na trama da lua? Será que se arrasta, bóia ou flutua? Será que ganhou asas e voou em feitio de cacatua? Será que foi comprar morangos e foi levada para sempre em passos de tangos? Será que ainda se lembra de mim? Será que seus beijos foram amores de festim? Será que virou mais uma flor dentre as tantas flores do nosso jardim? Será que a vida é mesmo assim, com o fim atropelando o começo? Se pelo menos tivesse deixado o endereço de seus passos dentro de uma dessas garrafas naufragas eu esperaria a maré encher e bater a minha porta trazendo seus pés.


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