Depois do apocalipse
Leões e lobos passeariam pelas principais avenidas da cidade como cidadãos comuns. Árvores romperiam à cerâmica e cresceriam dentro de nossas casas e ganhariam os ninhos das aves mais inusitadas. Sapos e jacarés infestariam as lagoas dos parques municipais. Monumentos, como o Cristo Redentor, seriam cobertos por alguma vegetação mais forte ou se esfarelariam como biscoitos nas mãos de uma criança. Os rostos dos presidentes dos Estados Unidos esculpidas em Rushmore seriam apagados. Caros leitores, não se assustem, afinal essas cenas não são do apocalipse. Elas são de depois do apocalipse.
Independentemente se o autor ou os autores dessa proeza seriam as pestes do livro sagrado, ou o fogo vislumbrado nas grandes produções cinematografias, ou a água de um novo dilúvio, ou um meteoro repetindo o fim dos dinossauros... A espécie humana desaparecia da face da Terra. Meus caros, a forma do apocalipse é o que menos importa nessa história toda. Não nos interessa discutir, neste momento, se o deus, que vier orquestrar tudo isso, será salvador ou vingador... O que importa é como o mundo viverá sem os seres humanos.
Os que acreditam que o mundo iria se auto-destruir de tanto chorar a nossa morte podem acordar para uma nova realidade. Uma realidade que começou a ser soprada em nossos ouvidos há quinze anos. Durante a Eco-92, no Rio de Janeiro, cientistas lançaram um documento histórico contendo a seguinte frase: "Os seres humanos e o mundo natural seguem uma trajetória de colisão". Mas, na época, essa profecia era terrorismo dos ecos-chatos. Hoje essa colisão ficou mais próxima do nosso cotidiano. Depois do relatório dos 1.600 cientistas sobre o aquecimento global, uma pergunta se tornou mais comum: Como seria o mundo sem nós? Não quero desapontar ninguém, mas o mundo não sentiria a nossa falta.
Se nós fossemos varridos hoje do Planeta, em poucos dias a natureza invadiria as grandes metrópoles do mundo. Em dois dias sem a presença humana na terra, a água inundaria os subterrâneos e o metrô de cidades como Nova Iorque, Paris, Tóquio e São Paulo, devido à interrupção dos sistemas hidráulicos. Em uma semana, problemas nos reatores nucleares produziriam 441 novas Chernobyls e conseqüências inimagináveis em matéria de tragédia. Em poucos anos, o fogo se espalharia nestas cidades e as principais avenidas se tornariam rios e riachos. Em dois séculos, os animais migrariam para novos locais e a natureza ganharia terreno mais rápido do que poderia imaginar, tentando curar a ferida feita pelos homens.
Dentro de poucos milhares de anos, a Estátua da Liberdade, a Torre Eiffel e o Congresso Nacional se esfarelariam, assim como o túnel do canal da Mancha. Até mesmo a imponente muralha da China e o canal do Panamá seriam consumidos pela natureza. Uma das nossas obras que mais duraria seria a radiotividade. Duraria por milênios e milênios no ar. Mas teria fim. O plástico, aparentemente inofensivo, também perduraria por muito tempo. Pasmem: atualmente há seis vezes mais polímeros sintéticos do que plâncton nos oceanos. Mas ele, o plástico, também teria um "the end".
A Terra não precisa da nossa presença para continuar seu curso vital. A raça superior que me perdoe, mas o mundo melhoraria muito sem as nossas ações destrutivas. Sem o homem, a fauna e a flora floresceriam, recuperando um espaço e uma biodiversidade que há séculos vem sendo violentados, sobretudo, pela ganância. O que sobrasse da nossa civilização, a água, o mofo, os fungos, as bactérias e outros elementos consumiriam. O que não fosse destruído seria coberto por uma vegetação resistente.
A natureza iria recuperar seu papel de protagonista, no entanto a possibilidade do homem reaparecer seria praticamente nula. Para contemplar a teoria dos criacionistas e dos evolucionistas, Deus iria pensar dez vezes antes de soprar um novo barro e os chipanzés parecem não ter a menor vontade de cozinhar suas bananas em microondas. Os elefantes poderiam voltar a dominar nosso planeta.
Só quem iria sentir a nossa falta seriam os piolhos e outros parasitas do nosso corpo, que morreriam em breve. Cachorros, gatos e bois domesticados teriam que se readaptar para reverter a domesticação que lhes foi imposta. Muitos morreriam, mas essas espécies voltariam a ser selvagens no decorrer dos anos. O tempo faria com que tudo voltasse a ser como era antes da nossa "quase inesquecível" presença. E para que chorar, se desesperar ou ficar indignado? O homem seria apenas mais uma espécie extinta dentre tantas outras que contribuímos para serem varridas do planeta. Como serias killers, podemos colocar nas nossas costas 784 "extinções oficiais", além de 65 espécies que só conseguem sobreviver em cativeiros. O tigre-de-bali, o bisão-caucasiano e o papagaio-cinzento-das-maurícias são só alguns exemplos de seres vivos que só existem em fotografias.
Os palcos dos grandes teatros seriam destruídos e ninguém mais encenaria Shakespeare. O Louvre seria invadido e fungos e outras espécies mais sórdidas consumiriam Da Vinci, Michelangelo, Monet. Cinzas ou pó, um desses dois caminhos seria o destino dos escritos de Camões, Machado de Assis, Neruda. O mofo colocaria fim a cenas clássicas de "O Vento Levou" e o escurinho do cinema seria um local ideal para o namoro dos morcegos. De uma forma ou de outra, as sete maravilhas do mundo seriam remodeladas pela natureza. No entanto, versos como "Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida eu vou te amar", seriam eternos.
Isso porque a nossa criação audiovisual, por meio de ondas de rádio e televisão, vagaria pelo espaço para sempre. Gostando ou não, a natureza se recomporia ao som de nossas músicas, de nossas vozes. Peço licença para não falar dos registros jornalísticos ou de outras vozes que não sejam músicas. Não quero saber da narração de uma guerra ou de um jogo de futebol, tampouco de um discurso político. Quero falar de amor. Por mais impossíveis a chance da espécie humana reaparecer, a vida brotaria em tantas declarações de amor.
Por que não aproveitamos que ainda não fomos extintos e brotamo-nos, no meio desse caos todo que se transformou nossa existência, em um amor sobre-humano. Vamos nos inspirar, resgatar nossos sonhos e brotar um mundo novo dentro de cada um de nós. Cada um que escolha o seu verso, a sua música, a sua trilha sonora. Eu já escolhi a minha: "Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida, eu vou te amar, e cada verso meu será pra te dizer, que eu sei que vou te amar, por toda a minha vida".
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