Daniel Campos

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28/12/2011 - Dando-me

Eu me dou. Por inteiro e também pelas metades, pelos quartos, pelos terços, eu me dou. Eu me dou para ela, nela, dela. Eu me dou a cada vez como nunca me dei e talvez como nunca mais vou me dar. Eu me dou a qualquer hora, em todo lugar. Eu me dou ao ar, ao fogo, na água e na terra. Eu me dou à luz e à sombra da lua eu me dou em passos de bolero, na batida do samba, na corda da viola. Eu me dou entre quatro paredes e no meio da multidão. Eu me dou com todo cuidado e sem nenhum juízo. Eu me dou de papel passado e no boca-a-boca.

Eu me dou em verso, na prosa. À primeira palavra e na última canção eu me dou. Eu me dou quando durmo enquanto acordo. Eu me dou abstrato, numa anti-matéria. Eu me dou subjetivamente. Eu me dou como que puxando um fio, desmembrando a malha de um destino. Eu me dou sem alianças, sem costuras. Eu me dou entre os dentes, completo e carente. Eu me dou em cada uma das pontas de uma estrela. Eu me dou como se dá veneno, como se dá um beijo, como se dá um doce. Enquanto conto quando apronto, sóbrio ou tonto eu me dou.

Eu me dou ganhando e me perdendo. Eu me dou me rendendo, agudo e grave. Eu me dou nas nuvens, aos deuses e numa bandeja. Eu me dou buscando, procurando, encontrando. Eu me dou sem querer, sem saber, sem dizer. Eu me dou em tom de desafio, de necessidade. Eu me dou antes e depois de amanhã. Eu me dou como um tapa, como um cuspe, como uma epidemia. Eu me dou aos poucos e de uma só vez. Eu me dou republicana e democraticamente. Eu me dou numa carta, numa pasta, numa garrafa naufragando no mar.


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