10/07/2010 - Dália de carne
Adélia era uma mulher que cultivava dálias no complexo de jardins que mantinha na frente de sua casa. O único lugar em que me deparei com essas flores graúdas e coloridas foi naquele canteiro que tinha um coqueiro no centro e cacos de azulejo vermelho, azul e amarelo dispostos num mosaico ao longo do passeio. Depois da morte de Adélia nunca mais encontrei as tais dálias. É uma pena eu não ter ficado com sementes ou com algumas batatas daquela planta-mãe. Nem mesmo as pétalas eu me lembrei de guardar dentro de um livro. Assim como Adélia, as dálias desapareceram das minhas vistas.
As dálias dos astecas e de Madri também foram as dálias de Adélia, uma mulher, que assim como a flor, tinha uma beleza bruta em suas palavras e gestos. Mas guardava em seu íntimo todo um encanto, um colorido vivo como aquelas flores. Mesmo quando dobrada, num convite à sofisticação, sabia ser simples. Pena que a floração de Adélia foi muito castigada pelo tempo e pelas condições da terra em que foi plantada. Passou por muitas dificuldades, tempestades e atrocidades que lhe fizeram adoecer. Porém, seu coração, até o último dia, foi grande e vistoso como uma dália de carne.
Dália é uma flor que não se fecha, tampouco consegue se esconder por entre suas folhas. É uma flor tão grande quão frágil. Quantos os que se alimentaram, em feitio de abelhas ou marimbondos, no pólen daquele coração? Nessas idas e vindas, houve quem colaborasse para fertilizar os sonhos de Adélia e quem, mesmo depois de se aproveitar daquele açúcar bruto que ela sempre fez questão de oferecer, deixasse o ferrão cravado em suas pétalas. Mesmo com todas as dores e adversidades ela nunca criou espinhos ao longo de seu caule.
Poderia ter sido rosa roseira e machucado o mundo ao seu redor com espinhos pontiagudos. Mas preferiu ser Dália e viver como tal, calada e tolerante, à espera de sua eterna primavera.
Comentários
Daniel, So você com sua poesia para retratar a Vó Délia como ela era. So quem conviveu com ela para saber a pessoa especial que ela foi. Beijos ,
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