11/03/2011 - Da janela
Da janela eu vejo a favela e seus barracos multicoloridos se abraçando, se misturando, se acasalando no clarão do sol na escuridão da lua que anda torta no céu feito anzol. Da janela eu ouço polícia e bandido trocando tiros, um menino empinando pipa com cerol, uma mulher gritando, uma criança chorando e um violino conversando em si bemol. Da janela eu torço por aquela cesta de basquetebol no fim do jogo e pelo final feliz da fotonovela com olhos entre a insônia e o rupinol.
Da janela eu a vejo, ela, a jogadora de handebol, toda bela, enrolada no lençol, iluminada por uma arandela. Da janela eu sinto seu hálito de mentol com canela se perdendo entre as nuvens de um anjo sentinela. Da janela eu ouço o ar, cântico de rouxinol, se movimentado debaixo de suas costelas. Da janela eu grito: cuidado com o farol, com o colesterol, com a esparrela. Da janela eu a tenho como uma tela de aquarela retratando o mergulho do girassol no atol.
Da janela eu espero que ela jogue as pontas do seu cachecol berinjela como uma espécie de Rapunzel de inverno. Da janela eu vejo seu corpo como uma capela, local de encontro entre pecado e sagrado. Da janela eu acompanho suas abaixadelas, suas assopradelas, suas miadelas. Da janela eu me cego em seu reflexo de baixela e me perco em seu labirinto caracol. Da janela eu abro suas cancelas e ateio fogo em seu paiol. Da janela eu acompanho suas escapadelas com um poeta espanhol à luz de velas.
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