Daniel Campos

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Corredores da morte

De repente a dor. Uma dor que não é uma dor qualquer. Não queria maiores alarmes. Quem sabe se permanecesse quieto. A cama. Um repouso nada prazeroso. E como pressentia, ela continua. Os segundos se dilatam, alongam-se ao máximo, quase explodem. A circunferência do relógio parece dobrar, triplicar de tamanho. O tempo passa lento demais diante da vontade de ver tudo acabado, de se achar depois da dor. Quem sabe um remédio daqueles que não se precisa de receita médica. Não! Chega de tentar se iludir.

Não! Não sei se o grito é da boca ou da dor. Um grito que não se sabe. Um grito que chama e afugenta. Logo, estarão todos aqui. O corre-corre. O embaraço. O carro. A vontade de não querer assustar ninguém, inclusive a si próprio, é nula. A dor continua, como se me tomasse, como se gostasse de doer. A dor. Um último amor não correspondido. Bobagens.

Não sei se a dor causa delírios ou se estes causam a dor. Os sonhos, os perdões, os arrependimentos surgem ao mesmo instante. Cada um com sua forma, sua intensidade, seu valor,..., todavia sou personagem comum de todos eles. É como se eles estivessem guardados e enfileirados e empoeirados num armário qualquer. Já não sei qual das duas dores me consome mais. A vontade de ver quem se gosta nem que seja de longe. Embora confiante (será?), a sensação de "nunca mais" ronda o corpo. Corpo doente. Doente. O corpo fraco e a alma forte. Parece ser ela quem me veste. Parece. Pareço dançar bolero com a dor. Boleros.

O ponteiro, o velocímetro, a imprudência. As paisagens vão ficando para trás. Eu passo por elas ou elas por mim? O hospital. Aquelas paredes frias, como se fossem tristes por si só, não são uma boa pedida. Mas não há pedidos. A minha vista, embora suspeita, parece ver tantos uniformes brancos, mas nenhum deles me ajuda a deixar o carro. Vou nos braços de quem não possui diploma. Se bem que grande parte daqueles uniformes brancos se esquece do diploma, do juramento e cai nos braços do poder. O preço de adiar a morte. A dificuldade e o descaso. O silêncio acompanhado das sirenes, da dor e da espera. Uma fila de desvalidos, de marginalizados, de doentes. Pobres doentes pobres. A dor e um questionário. Perguntas. Convênio? Particular? SUS? E dizem que o racismo acabou...

Mesmo com dor, vejo as expressões dos que esperam. Feridas abertas que sangram a falta de respeito. Respeito à vida. São fraturas, cortes, hemorragias, derrames, enfartes,..., cóleras numa fila que se estende em dor. Esperam por um médico, por um sorriso, por uma esperança. Ânsias. Ânsias de dor. Uma dor que queima, lateja, exorciza. Não suportaria procurar outro hospital, teria que me contentar. Agora, o tempo anda a passos largos.

São tantos suspiros, gemidos, rezas, soluços, esperas. É como se aquela fila gozasse de sofrimento. Pena. Pena daqueles traços desacreditados. Não é uma fila de coisas. É uma fila que reflete a face do país. Um país doente. Encontrar-se num rosto daqueles não é coincidência. É triste assistir tudo de forma impotente. Tudo acabar em dor e pouco caso.

Eu e a fila de choro. Choro chorado e choro contido. Choro cansado de chorar sem consolo. A dor e a falta de remédio. E a falta de diagnóstico, de respeito, de vergonha. Há quem diga que a morte começa naquelas portas. A fina linha que separa vida e morte. Ela se espalha, com olhos de espera. Agora, revoltas e filosofias não valem de nada. Talvez seja tarde. Tarde demais. A dor abraça meu corpo abandonado nos corredores da saúde pública.


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