30/10/2013 - Constelação Julie
Acordou, fazendo jus ao seu vocabulário, pilhada. Aliás, acordou sem ter dormido. Seus sonhos ficaram apagados na noite escura. Nem mesmo a lua apareceu para acalmá-la. Pudera, a menina, vestindo um pijama de fantasminhas, foi assombrada a noite toda pelo medo da perda. Quando fez dezoito anos poderia ter se encantado com um carro, uma jóia, uma casa, mas se apaixonou por Julie, seu presente mais marcante até hoje.
Difícil explicar o sentimento existente entre a menina e a cachorrinha. Além de dividirem lanchinhos e de correrem juntas, as duas falam sobre tudo. Uma entende e se rende a outra de forma mais do que especial. São confidentes. São melhores amigas. São inseparáveis. Daí, a angústia generalizada. Naquele dia em que a menina amanheceu com olhos de tsunami, Julie seria submetida a uma cirurgia.
A menina tinha vontade de gritar, de se trancar no quarto, de chorar, de se virar pelo avesso, de chamar por um anjo, de trocar de lugar com Julie. Se pudesse, acompanharia a cirurgia de perto. Porém, não tinha coração para isso. Sendo assim, resolveu sair para o trabalho, mesmo que dando choque. Nem a paisagem nem a música predileta nem sua arte conseguiam entretê-la a ponto de ela conseguir respirar.
Se não fosse cuidadosa ao extremo teria saído pela rua afora com um sapato de cada cor tamanho seu desajustamento interior. Não dizia coisa com coisa, tampouco conseguia andar em linha reta. Tudo nela zizezagueava em torno de Julie. Depois de anos de companheirismo, a possibilidade das duas seguirem suas caminhadas de forma separada. Pediu socorro à mãe, ao superpai, aos deuses das pequenas...
Rezou, clamou, fez simpatia e promessa, não deu sossego a sua cabeça, que ficou rodando. Via aquelas orelhas e patinhas em todos os lugares. Não comeu. Não sorriu. Não cantou. Não fez nada como de costume. E quando o celular tocou e o número de sua mãe apareceu no visor, ela tremeu. Atendeu e teve seu oi respondido por um latido que lhe disse o suficiente para que ela criasse asas e fosse ter com as estrelas.
E foi tanta intensidade, tanta felicidade, tanta irrealidade, que quando a noite tomou de conta do céu, astrônomos e apaixonados observaram o aparecimento de uma nova constelação. Pela escuridão, os pontos de luz formavam o desenho de uma menina e de uma cachorrinha. E não havia quem ficasse indiferente aquele filme que projetava um espírito de fidelidade sobre a terra...
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