Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
08/11/2011 - Como morremos nós...

A fumaça do café, o perfume da macadâmia e o yin e o yang de um incenso morrem como morremos nós. O broto que rasga o solo, o vermelho do sol e a canção do seresteiro morrem como morremos nós. Os casais de namorados, a maciez dos lençóis e a delicadeza das palavras morrem como morremos nós. A penumbra de um ambiente a sós, os nós de marinheiro e as linhas do destino morrem como morremos nós. O desejo mais vívido, a esperança mais inútil e o sentimento mais sórdido morrem como morremos nós.

Os monumentos públicos, as obras de arte e as sete mil maravilhas da natureza morrem como morremos nós. As bailarinas, os atores e os literatos morrem como morremos nós. As páginas de um livro, uma ligação no meio da noite e a chama de um pirilume morrem como morremos nós. As ondas do mar bravio, as moças do horizonte e as bicicletas que passam pela lua morrem como morremos nós. Os piratas, os magnatas e os que levam a vida na flauta morrem como morremos nós.

As performances do dia, os suores da noite e os segredos mais bem guardados morrem como morremos nós. Os abraços infinitos, os olhares longínquos e os adeuses mais prolongados morrem como morremos nós. Os sonhos mais loucos, as curiosidades e a perfeição alheia morrem como morremos nós. Os cafunés de final de tarde, as carícias de altas horas e a troca matinal de confidências morrem como morremos nós. Os deuses mais renomados, as cidades proibidas e o tempo morrem como morremos nós.

O vôo do pássaro, as tréguas entre os povos e os anseios da liberdade morrem como morremos nós. O abuso, o uso e o inconcluso morrem como morremos nós. A marca de batom, o som daquele que habita o nosso peito e a estrela de neon morrem como morremos nós. As cores do jardim, as pedras do caminho e os rompantes ciganos morrem como morremos nós. A água de mina, o trem das Minas e a meninice das meninas morrem como morremos nós.

Os cicerones de Paris, as ternuras de Madri e as vielas de Viena morrem como morremos nós. Os turistas, os alpinistas e os escafandristas morrem como morremos nós. As teorias filosóficas, os diagnósticos médicos e a fé dos religiosos morrem como morremos nós. O orvalho recém caído no gramado, os beijos voadores e os degraus da escada do purgatório morrem como morremos nós. Os indiferentes, os impérios e até mesmo os amores intermináveis morrem como morremos nós.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar