07/04/2010 - Chuva de tristezas e alegrias
As águas de março não se deram por satisfeitas a ponto delas alvejarem abril, o mês das cores de anil. São águas correntes correndo pelas ruas, pelas calçadas, pelos poentes. São águas cheias enchendo garagens e quartos e cozinhas. São águas traiçoeiras levando queridas e outras vidas em suas correntezas. São águas que afundam. São águas que inundam. São águas que vão arrastando o chão que firma nossos pés. É abril de Iemanjá. Estamos no ano da dona das águas. Abril de botas e guarda-chuvas. Abril de notas úmidas e paisagens turvas. Abril de águas doces tais como choro de viúva.
E a vida que brotaria das chuvas de março terá de esperar um pouco mais. Afinal, os campos ainda estão encharcados. Até os jardins da rua de cima estão enlameados. É preciso esperar pelo sol, quente e consolador, que faz o papel de chocadeira. De nada adianta as tetas das nuvens recheadas de água se não há o sol para dar corpo aos brotos recém-erguidos da terra. A não ser que alguém plante uma árvore de frutos do mar no quintal. O trem meteorológico chega a mais uma estação e o sol de abril ainda não arde em razão das pancadas de chuva que nocauteam nossas tardes. É o alarde das chuvas fazendo azuladas as cenas ruivas do outono.
Quem está gostando disso é um certo João. João-de-barro. Meu vizinho de muro. Com o prolongamento da chuvarada há lama o suficiente pela estrada para ele fazer suas edificações com folga. Nem precisa ir tão longe. É só descer do galho da árvore em que mora e se fartar dos campos de barro que cercam a região. Enquanto muitos choram a perca de suas casas, aquele João, egoísta como só, gargalha em pios a fartura de material para sua construção. São Pedro o ajudou e, com o fim das obras, ele poderá finalmente se casar em maio. Sua noiva, Joana, está ansiosa e grata aos céus. Só pede para que não chova no dia do casório.
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