Daniel Campos

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06/09/2008 - Cavalo de aço

Sábado cheira à roça. Aquela terra que tatua a nossa pele, aquele mato que se alastra feito fogo por nossos olhos, aquela solidão interiorana tão bem quista. Ah! E os cavalos de nuvem, de pêlo e de aço galopando campo afora. Nada como montar e domar um trator, desbravando caminhos com seu peito forte. Pelos discos do arado, a terra vai se revirando e fósseis de um tempo ainda não vivido vão ganhando a luz que passa pelas frestas do chapéu de palha. Vez ou outra, o vento lambe mais forte, o trator pula feito burro xucro e a palha do chapéu flutua léguas e léguas pelo ar.

De fazer inveja aos franceses, o perfume de capim cortado invade os poros, escancara as portas da alma e alimenta o divino que ainda existe em nós. As lâminas da roçadeira, como gladiadores romanos, vão deitando tudo o que encontram pela frente... E os espinhos se misturam às flores num aroma simplesmente humano, com notas entre o bem e o mal. E a mesma máquina que risca geometricamente o solo, polvilha-o com sementes. Depois de trazer milhares de espigas em sua carreta, que tenta abraçar o mundo, o trator debulha o milho, separando os grãos, da palha e do sabugo. E do óleo diesel, nasce o cheiro do cural, da pamonha, do bolo.

Acelerado, o trator vai picando as folhas de capim que serão derramadas no cocho do gado leiteiro e de engorda. O trator que joga poeira no céu é o mesmo que impulsiona a água cano adentro, regando a lavoura. Com agilidade de artesão, o trator faz e molda estradas com a plaina que leva em seu rabicho. É o trator que arrasta troncos com suas correntes, pulveriza a copa das árvores com seus esguichos, esparrama adubo pelo roçado... Embora másculo, o trator parece um daqueles brinquedos de montar, de desmontar, de encaixar. E o agricultor é um pouco criança em cima daquele cavalo de aço que galopa pelos campos de sábado.


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