Daniel Campos

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16/05/2010 - Catherine na Ratolândia

Atendendo a pedidos, publico hoje mais uma história infantil. Bom domingo!

Catherine, uma francesinha de franjinha na testa, passava seus dias esperando pela volta do pai, um marinheiro que, a pedido do rei, partiu, há mais de um ano, em busca de terras distantes. Ela tinha três anos, mas era arteira como só. Sonhava com o dia em que seu pai entraria por aquela porta e, depois de um abraço, contaria histórias de sereias e princesas do mar. Mas enquanto esse dia não chegava, brincava com os barquinhos que sua mãe fazia dobrando papel colorido.

Uma noite de tempestade, a menina olhou pela janela e viu uma enxurrada que se alastrava pela rua. Pensou que o mar havia chegado até ali. E mais: pensou que aquelas águas poderiam lhe levar ao encontro de seu pai. Não pensou duas vezes. Pegou o maior barco que sua mãe havia feito. Um barco de papel lilás. Abriu a porta devagarzinho, sem sua mãe perceber, e saiu arrastando o barco. Pulou dentro dele, abriu uma sombrinha que parecia uma joaninha, cheia de pintinhas, e correu rua abaixo.

Quando se viu em meio aquela correnteza e com ondas batendo para lá e para cá, começou a gritar. Mas já era tarde. Os trovões sufocavam a voz da pequena Catherine. Sua mãe, que estava distraída tricotando um suéter, não iria ouvi-la. E não havia ninguém na rua para ajudá-la. Todos estavam escondidos da chuva. Ela rezou, chorou, cantou e se segurou firme para não cair do barco. O vento forte levou sua sombrinha. Foi passando por casas desconhecidas, por ruas estranhas, por lugares assustadores. A cidade que conhecia havia ficado para trás.

Conforme a noite foi avançando, a chuva foi ficando mais amena e o ritmo do barquinho também, a ponto da menina, cansada da aventura, adormecer. Horas depois, acordou achando que tudo tinha sido um pesadelo. Mas ao esfregar os olhos viu que estava errada. Um rato grande apontava um pedaço de pau para ela. Outro tentava laçá-la com uma corda. Uma rata lhe mostrou os dentes. Ela ficou com medo, mas logo veio um ratinho bebê dizendo para o pai dele: “podemos ficar com ela papai, podemos?”

Ela estava em um lugar que nunca ouviu falar, nem mesmo nos contos de fada que sua mãe lia para fazê-la dormir. Parecia uma cidade normal, só que dominada por ratos. E os ratos tinham o tamanho de Catherine, alguns até um pouco maiores que ela. Ao contrário dos camundongos que volta e meia visitavam sua casa, vestiam roupa, falavam e andavam de bicicleta. Os ratos faziam compra no ratomercado, comiam ratoburguer, bebiam ratocola, jogavam ratobol e tinham nojo dos humanos.

Segundo lenda contada pelos avôs dos avôs dos avôs dos ratos que ali estavam, há muitos e muitos séculos os humanos saíram da floresta perdida e invadiram Ratolândia. Começaram a andar pelas ruas, a entrar nas casas, a mexer na dispensa dos ratos. Transmitiam doenças, além de assustar as ratinhas. Não eram bem-vindos. Por isso, viviam escondidos em bueiros, terrenos baldios e nas áreas mais sujas da cidade.

Eles queriam o que os ratos tinham de mais precioso – queijo. Foi então que os inventores da Ratolândia criaram uma espécie de armadilha chamada humanoeira – hoje, uma peça de museu. Afinal, de tanto caçarem humanos um dia eles desapareceram por completo. Foram extintos.

Por isso o espanto diante de Catherine. Os ratos não sabiam o que fazer. Muitos gritavam, choravam, corriam para longe dela. Pouco tempo depois, ratos jornalistas, policiais, bombeiros, soldados, cientistas e curiosos chegaram ao local para conferir a novidade. Trouxeram até a maior humanoeira que encontraram. Mas de nada adiantou.

Afinal, o que mais intrigava os ratos era o tamanho da menina. Segundo as histórias antigas, os humanos eram pequeninos, com pouquíssimos centímetros de altura. Os cientistas alertavam para uma espécie de mutação causada pelo lixo radioativo que fez com que os humanos crescessem além da conta.

“Prendam-na”, diziam alguns ratos. “Matem-na”, gritavam outros mais afoitos. “É melhor cortá-la em pedacinhos”, comentava o rato dono do açougue. “Joguem-na ao mar”, falava um rato pirata. “Eu quero estudá-la, abrir seu corpo, ver o que tem dentro”, dizia o cientista. “Eu quero brincar com ela”, insistia o ratinho.

“Brincar? Como pode querer brincar com essa aberração, com esse monstro, com essa criatura tão assustadora”, berrou o prefeito de Ratolândia, o senhor Ratolítico. E terminou seu discurso dizendo assim: “eu prometo, meus ratos, investir ainda mais na segurança da nossa cidade”.

Blábláblá para cá e pra lá, Catherine ficou com medo e começou a espernear, agitando braços e mãos. Os ratos pensaram que ela havia se enfurecido e que iria destruir a cidade toda. A polícia formou uma espécie de cordão de isolamento, mas aquele ratinho que queria brincar avançou na direção da menina pedindo para ela não chorar, que ele não deixaria nada de ruim acontecer com ela.

Primeiro ela se assustou, quis se esquivar. Depois, vendo aquele bichinho peludo, de olhos saltados e simpáticos, que parecia uma pelúcia vestida com um boné e uma jaqueta jeans, abraçou-o com bastante força. Os ratos fizeram um escândalo, achando que a menina iria comê-lo. A mãe do ratinho chamado Flip desmaiou e seu pai pediu que os policiais salvassem a criança.

Pensaram que a menina havia enfeitiçado o ratinho, que não dava sinais de querer sair dali. Todas as armas apontaram para a menina. Chegaram helicópteros, tanques de guerra. A praça central se transformou em uma praça de guerra, com ratos armados com granadas, fuzis e bombas de gás. Chamaram até El Ratão, uma ratazana gigantesca, com olhos vermelhos e músculos por todo o corpo. Era o habitante mais forte de Ratolândia, campeão de luta livre.

Com quanto mais medo ficava, mais Catherine apertava aquele rato contra seu corpo. Mas Flip não se importava, parecia gostar daquela menina. Ratos atiradores apontavam miras a laser para o corpo da menina. Queriam um tiro certeiro, que não acertasse o ratinho. O clima era de terror. Chegavam a dizer que era o começo do fim do mundo. As mamães ratos colocavam seus filhos para dentro de casa e trancavam a porta e as janelas.

Muita gente tentou sair da cidade ao mesmo tempo e um grande congestionamento foi formado nas estradas. A televisão transmitia aquilo tudo ao vivo. Flip conversava com ela, mas Catherine entendia pouca coisa. Ela falava francês e ele, ratês. Eram línguas diferentes.
Sem paciência para esperar o melhor momento, El Ratão se preparou para dar uma rabada naquela menina. Diziam que esse golpe quando pegava o alvo de jeito dividia até mesmo uma pedra em duas. Para sorte de Catherine o vento trouxe de volta sua sombrinha, ainda aberta, a qual serviu como uma espécie de escudo. El Ratão se assustou com aquela joaninha e caiu dando um tremendo mau jeito nas costas.

“Ela derrotou El Ratão, estamos perdidos”, diziam os ratos. “Ela é uma feiticeira, transformou um sombrinha em joaninha”. “Atirem, atirem logo antes que ela machuque mais gente”. Quando iam finalmente atirar, um rato gritou: estamos perdidos, humanos ainda maiores chegaram pelo mar. Uma esquadra de sete navios havia acabado de atracar na costa da cidade. Eram homens tão grandes que os ratos não tiveram alternativa senão correr. Esqueceram até mesmo de Flip. Cada um queria salvar sua pele.

E o medo de Catherine se transformou em uma imensa alegria. Afinal, quem chegou foi a esquadra comandada pelo capitão Jean-Louis, ou seja, seu pai. Ele se surpreendeu de ver a filha ali no meio daqueles ratos e foi logo ordenando para que apontassem os canhões dos navios para aquela cidade. Também pegou Flip pelas orelhas.

Mas a pequena pediu para seu pai não machucar os ratinhos, que eles eram amigos, estavam apenas um pouco assustados. Ele estranhou o pedido, mas aceitou. Fazia tudo o que a filha queria. Foi então que capitão Jean-Louis e Flip apertaram as mãos num gesto de paz.

Vendo aquilo, pouco a pouco os outros ratos foram saindo de suas casas. Para comemorar, um banquete com muito queijo foi preparado. Era queijo assado, queijo frito, bolo de queijo, queijo ensopado, doce de queijo, sorvete de queijo, queijadinha...

Catherine se fartou e foi embora com seu pai, pelo oceano afora, em busca de novas aventuras. Como presente e símbolo da amizade, deixou seu barquinho colorido para Flip, que daquele dia em diante foi saudado como herói em Ratolândia.


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