Daniel Campos

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12/09/2010 - Casarão

Perto do portão, um ramalhete de rosas plantado num punhado de terra. Orelhas e tramelas adornando as janelas que dão pra rua. Roupas quarando no cimentado do quintal. Na velha pia da cozinha, ovos de galinha, tachos de doce e uma colher de pau. Uma réstia de alho pendurada pra espantar possíveis vampiros. A colcha de retalhos coloridos deitada sobre a cama. Num canto do quarto que já não dorme ninguém, a máquina de costura vai pedalando solitária entre linhas, agulhas e pontos. O piso range e o telhado arqueia a cada lua que ponteia.

Como tardes arroxeadas, as folhas das quaresmeiras vão cobrindo a calçada. Nos canteiros, margaridas dividem espaço com um tapete de hortelã. As vizinhas batem palmas e pedem ramas para o chá das crianças. Os pássaros vão cantando em troca de alpiste. A água de mina ganha o gosto fresco do barro das talhas. O chuveiro está no verão contrariando a estação. E o trem mudou seu destino, já não passa mais naquela rua. A parede ganha telas que pinceladas depois exibem rostos e paisagens tão desconhecidas como aquela casa.

Santos de resina fazem uma procissão sobre a penteadeira. O velho cofre se esqueceu de guardar o próprio segredo. Vestidos e camisas misturam seus perfumes no armário. Os tapetes expõem os trilhos de tantas pisadas. Um catavento assovia a cada arrevoada do tempo. O radinho toca canções de roda e nos convida a rodar, a girar, a dançar com a dama de cabelo piaçava que esperava recostada atrás da porta pelo seu cavalheiro. São muitos baús querendo guardar e esconder o que passou e o que ficou e o que restou de uma história que caduca, tropeça em suas próprias memórias.


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