22/03/2010 - Carta póstuma a um avô
Sete dias se passaram. Tempo suficiente para um canteiro semeado de alface germinar. Tempo curto demais para colher as folhas de uma boa salada. Sete dias. O tempo de vida de uma mosca. Mas quem se interessa pela vida de uma mosca? Sete dias. Tempo o bastante para se curar uma gripe. Tempo demais para uma rosa. Tempo de menos para um espinho. Sete dias. Sete novas manhãs. Sete jantares. Sete voltas da Terra em torno de si mesma. Para os girassóis, sete giros. Para os vivos, sete dias a menos. Para os mortos, sete saudades. Para Deus, o tempo necessário para criar o mundo e ainda contemplar sua criação.
Sete dias depois, o seu corpo, morto e sepultado, já se transforma em pó. Em toda a vida não conheci ninguém que fosse feito tão de barro quanto o senhor. Ao contrário de se chamar Liberato, sua mãe deveria tê-lo batizado de Adão. Ao contrário de sangue, o que corria em suas veias era terra. Terra vermelha como aquela que cultivou pela vida afora. Se Vinicius de Moraes tivesse lhe conhecido certamente não diria que temos braços longos para enterrar os nossos mortos. Diria sim que temos braços longos para plantar os nossos sonhos.
Sete dias se passaram. Quantas sementes o senhor deixou de lançar ao chão? Quantos passos o senhor deixou de marcar naquele terreno? Quantos ventos o senhor deixou de assoviar? Quantos frutos o senhor deixou de apanhar? Quantas luas o senhor deixou de namorar? Quantos sorrisos o senhor guardou para depois? Quantas cantorias o senhor silenciou? Quantos ovos o senhor deixou de recolher? Quantos torresmos o senhor deixou de comer? Quantos trens o senhor deixou de ouvir passar? Quantas esperanças o senhor deixou de cultivar?
Eu não sei o senhor, mas eu há sete dias tento me acostumar a viver sem um pedaço de mim. Um pedaço que pensamentos e sentimentos brigam para não deixar ser transformado em poeira. Poeira vermelha. Poeira...
Observação do autor: No final da noite de ontem, sete dias se passaram desde que meu avô morreu. Sete dias de luto. E como silêncio não era uma coisa que combinava muito com seu Líbio, tanto que ele falava e cantava sozinho pelo sítio afora, fiz questão de homenageá-lo, por meio de palavras, durante esses sete dias. Uma semana inteira dedicada a alguém que ainda vivo se tornou uma espécie de mito. De agora em diante, o site volta ao seu conteúdo normal. Um conteúdo que, mais do que nunca, irá beber em Liberato de Lima Barbosa, uma fonte que, se depender de mim, não há de secar. E a todos aqueles que se solidarizaram com este momento, a minha gratidão.
Comentários
Boa tarde Daniel..lindo texto este seu... Sei muito bem como é, também perdi meu avô a pouco tempo, 3 dias antes do natal de 2009, após lutar 3 meses contra um cancer no pulmão. Ele pra mim foi mais do que um avô, foi um pai, mais do que pai, foi um ídolo, mais do que um ídolo, foi um exemplo de vida, não só pra mim, mas pra toda a família. Hoje, passados quase 4 meses, a saudade cresce e fere a cada dia, a cada hora e a cada minuto que se passa.... Meus sinceros sentimentos a você..um abraço
ola amigo, parabens nesse texto vc mostrou ter sentimentos demais pela familia coisa rara hoje em dia ps= fui professor da sua esposa de karate aqui em montes claros abraços a vcs ai e mais uma vez parabens
Escreva um comentário
Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.