07/02/2010 - Carta ao Saci
Caro Saci-Pererê,
Eu sei que o senhor anda muito ocupado com essas coisas de folclore, mas alguém que lhe quer bem precisa dos seus serviços. E não falo de dar nó em crista de cavalo, tampouco fazer redemoinho no meio do quintal. O senhor precisa, na verdade, usar todo feitiço que há nesse cachimbo que leva na boca para ajudar quem tanto ajudou a mantê-lo vivo por anos e anos de descrença. Pode vir sem medo. Graças aos causos contados incontáveis vezes todos nós já estão mais do que acostumados com a sua presença. Ninguém vai se assustar ou lhe importunar.
Ah! A coisa é grave, por isso, melhor não vir sozinho. Traga também a Mula-Sem-Cabeça, o Boitatá e o Lobisomem do Morro. Vale apelar também para a bruxaria que ronda a Porca de Sete Leitões, a Mãe-De-Ouro e as Moitas de Capim que fazem careta em céus de lua cheia. Que venham todos, inclusive aquele Tambor que rolava pelo terreiro quando o relógio batia meia-noite. E como não há mais tempo a perder, venham na charrete puxada por Faísca, aquela égua arisca que corria mais do que a dona Maria Fumaça.
E como toda reza é válida, convoque a Procissão de Esqueletos da Sexta-Feira Santa. Chame aquele Jacaré de tantos palmos que foi arrastado por ele sítio adentro, aquele Tatu que ele viu descarrilar um trem, aquele bode que ele imitava e aquele burrico que pulou uma semana depois que teve seu foucinho mordido pelo homem que agora precisa tanto, mas tanto do senhor. Junte os Macacos que foram de cavalo à fazenda e o Monstro que gritava “to com fome, to com fome” atrapalhando a caçada dos compadres. Todos, mais uma vez, serão bem-vindos.
Pelo amor de Deus, traga consigo, senhor Saci, todo encanto que encontrar por essa estrada que já vai longe. Afinal, toda encantaria será de grande valia para ajudar o homem que viveu intensamente e apaixonadamente essas e outras histórias. Eu não queria falar isso nunca, mas há algo errado com a cabeça dele, bem lá onde o senhor e seus parceiros de assombração habitam há quase oitenta anos. Para que nós todos não sejamos transformados em simples lendas eu espero poder contar com os seus préstimos.
Cordialmente,
Daniel Barbosa Campos
Observação do autor: O senhor Liberato de Lima Barbosa (vô Líbio), um homem povoado de histórias e criaturas fantásticas, vive um momento difícil em relação à saúde. Que toda poesia e magia que ele espalha desde sempre possam lhe ajudar a sair dessa arapuca do destino.
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