Daniel Campos

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06/04/2010 - Capítulo 9

Surge outra Malena

Sebastian encontra o celular da mulher sobre sua cama. Realmente, ela o deixou ali. De propósito ou não, eis a dúvida que martela em sua cabeça. Mas há algo de errado: ele vasculha os arquivos do aparelho e não encontra mensagem alguma. Mas...

Mas e os recados que recebeu? Mas e a voz de Malena no telefone conversando com ele? E as acusações tão pessoais? É de enlouquecer qualquer um. Alguma coisa estranha está acontecendo. Seja o que for, faz-se necessário encontrar respostas. E rápido.

Ao descer as escadas após um longo banho frio, no qual tentou esfriar os pensamentos, encontra Micaela e Hernández gargalhando no sofá da sala como ótimos amigos. A felicidade deles lhe irrita.

Depois de requerer a guarda dos filhos e alguns bens de Malena na justiça, inclusive aquela casa, ele passou a rondar mais as crianças. O pai de anos e anos de ausência quer se tornar mais presente a cada novo dia.

Sebastian já o havia proibido de entrar ali e de ficar na rua espreitando a movimentação da casa, bem como provocar encontros casuais em restaurantes e parques. Chegou a ajuizar um mandado de segurança requerendo o afastamento de Hernandez daquela família. Mas ele insiste em desrespeitar a tudo e a todos. Parece não ter medo de nada.

Sendo assim, começa um novo confronto, só que agora com direito à agressão física.

O promotor dá um soco no rosto do ex-marido de sua mulher. Tomás grita e chora diante do nariz ensangüentado do pai e vai para cima do padrasto com uma raquete de tênis. Hernández iria levar o menino para se divertir um pouco. Diz ter ido ali com a melhor das intenções.

Micaela quebra uma imagem de São Miguel que fica em uma mesa de canto, ofende o padrasto e sai abraçada ao pai. Tita chama a polícia.

Alicia, que havia deixado a irmã em um compromisso de trabalho e trazido as crianças para casa depois de um passeio, surge na sala palpitando e Sebastian a manda calar a boca. Dizendo que ela não é bem-vinda ali, coloca-a para fora mais uma vez.

Tão logo chega, Malena começa a brigar com o companheiro. Diz que ele está irreconhecível, que esse episódio contará pontos contra ela no tribunal, que se ela perder a guarda de seus filhos a culpa será inteiramente dele.

De forma áspera, alucinante e na frente de todos, nasce outro bate-boca:

- Você não é meu dono, reclama Malena.

- Eu não sou seu dono, mas exijo respeito, devolve Sebastian.

- Não fui eu quem chamou o Hernán aqui.

- Hernán?! Olha só quanta intimidade. Ou será afeto?

- Você é um doente. Um obcecado. Um louco.

- Eu, doente? Veja só.

Nesse momento, ele mostra seu celular para ela, mas as mensagens, como numa operação mágica, haviam sumido. Assim como sumiram todos os que estavam na sala. Parece que o que queriam era desencadear aquela discussão. Feito isso, missão cumprida.

- Por sua causa fui castigado, reclama Sebastian.

- Agora acredita em castigo, senhor promotor?

- Por culpa de suas neuroses, fui afastado do meu cargo.

- Deixa de ser ridículo, eu não lhe mandei mensagem alguma e também não fiz telefonema algum para você. Nos últimos dias quanto menos eu conversar com você, melhor. Eu planejei cuidar do futuro das crianças, mas passei quase o dia todo em uma reunião com um distribuidor importante. Não tive tempo para ter um ataque de ciúmes. Ai, como você é pretensioso.

- Mas as mensagens estavam aí! Alguém deve tê-las apagado. O curioso é que além de serem enviadas do seu celular, elas reproduziram uma gama de textos que você já havia me dito antes, em discussões passadas...

- Ora, isto só deve ser consciência pesada.

- Mas você ultimamente só sabe implicar com meus atos. Até o fato de eu respirar parece lhe ofender.

- Deixa de se achar o centro do mundo. Aliás, você nem deve se olhar de forma tão superiora. Soube pelo rádio que perdeu sua primeira causa! Parabéns pela derrota. Quem sabe ela não coloca seus pés no chão.

Sebastian ajoelha, como apaixonado ferido, e exclama:

- Eu te amo, teu te amo, eu te amo...

- Isso não é amor, é uma espécie de câncer que só nos faz mal.

- Está feliz agora? Responda-me: está feliz?

Os olhos de Malena se fecham e se abrem rapidamente em outra coloração. Olhos acinzentados. E uma voz mais rouca sai de sua boca:

- Ela eu não sei, mas eu estou quase feliz.

- Que brincadeira é essa agora? Vai fingir que é outra pessoa?

- É claro que sou eu. Fui eu quem lhe mandou as mensagens, quem ligou para você, quem trouxe Hérnan até aqui. Como fica sensual chamá-lo de Hérnan. Brilhante essa idéia. Tenho ou não talento?

- Pare com essa brincadeira idiota!

- Idiota é você, seu ridículo. Ridículo, não é assim que Micaela lhe chama? Você vai perder Malena mais rápido do que eu pensava. Afinal, você tem me ajudado tanto que estou tendo pouco trabalho para conseguir o que eu quero. Até lhe vencer num júri, coisa que muita gente acha impossível, eu consegui.

- Malena, que história é essa...

- Meu nome não é Malena, mas se não quiser acreditar nisso o problema é unicamente seu. Não precisa acreditar em mim. Aliás, não precisa acreditar em nada. Basta continuar caindo de cabeça nesse emaranhado de castigos como você tem feito maravilhosamente bem nos últimos meses.

- Não estou entendendo nada. Você bebeu Malena?

- Ah! Já faz anos que não tomo uma boa bebida. Dez, trinta, cinqüenta anos? Perdi a noção dos relógios. Só sei que faz muito tempo que eu não caio bêbado por aí. Sabe que me deu uma vontade tremenda de beber. E beber muito. Onde você guarda as garrafas? Eu quero...

Malena arregala os olhos, lambe os lábios e Sebastian não entende nada.

- Você não é dessas coisas...

- E você, que mesmo dizendo que não bebe, tomou sete doses de uísque nos bares do La Recoleta depois que deixou o tribunal. Deixa Malena saber disso.

Sebastian fica sem fala.

- Perdeu a língua afiada, promotor?

- Como você sabe disso? Anda me seguindo?

- Para se destruir uma pessoa é preciso conhecê-la. Conhecer suas virtudes, suas fraquezas...

- Eu não sou fraco!

- Não? Pois bem, uma pessoa que tenta suicídio depois de perder uma audiência o que é capaz de fazer depois de perder a mulher?

- Por que você quer me destruir?

- Porque você está marcado...

- Meu São Miguel...

- Não adianta chamar pelo arcanjo, pois ele também quer a sua destruição.


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