01/04/2010 - Capítulo 8
AtormentaçãoA previsão de Sebastian se confirma. Mal chega ao trabalho e seu celular começa a tocar seguidas vezes. É Malena perguntando se agora ele está feliz por estar no meio de suas colegas. Pergunta se tais mulheres são mais bonitas que ela, se tais mulheres se vestem melhor que ela e se tais mulheres transam melhor que ela.
Sebastian diz que está prestes a entrar em um julgamento importante. E ela se revolta dizendo que o marido, no mínimo, deve estar ocupado com alguma daquelas oferecidas que trabalham com ele.
O promotor desliga o telefone. Ela liga novamente e esbraveja dizendo que se tem coragem de desligar a ligação em sua cara é porque ele é corajoso o suficiente para traí-la. Aproveita para falar que já não o ama mais, pois ele não passa de um falso moralista.
Ele pede desculpas, porém, agora é ela quem desliga em sua cara. Ele volta a ligar, mas a esposa não o atende mais. Tenta outras vezes, mas não obtém sucesso. Ele respira fundo e com todas as indumentárias vai para a sala do júri com o sangue ardendo nas veias.
Sebastian é um promotor de Justiça bastante conceituado em Buenos Aires. Já havia participado de centenas de julgamentos sem jamais ter perdido sequer um deles. E ainda teve a sorte de bem no início da carreira pegar o caso de um político famoso, com ampla cobertura da imprensa.
Ao final do processo que levou o político à cadeia recebeu tratamento de herói nacional. Desde então, tornou-se um fenômeno da justiça argentina. Adorado e odiado na mesma proporção. Brilhante e arrogante, dedicado e obsessivo, justo e justiceiro, eram muitos os adjetivos acumulados ao longo desses anos.
Depois de ter dedicado 15 dos seus 36 anos de idade à promotoria, está prestes a condenar uma mulher acusada de matar seu cunhado. Ele não acredita na alegação da defesa de que ela agiu em legítima defesa diante de violência e assédio. Acaloradamente, lia laudos, reconstruía cenas, levantava dúvidas de maneira a provar que a mulher matou friamente o marido de sua irmã por motivos subjetivos.
Enquanto o juiz lê os autos do processo, seu celular recebe inúmeras mensagens de Malena chamando-o de mentiroso, traidor, cafajeste. Como se concentrar dessa forma? E esse inferno não é de hoje. Tampouco de ontem. Aquele desarranjo entre os dois já vinha de semanas e a situação ao contrário de se contornar, agravava-se a cada minuto.
Além do repúdio vindo de Micaela e Tomás, do silêncio da sogra, da instabilidade de Malena, das chateações causadas por seus pais, do veneno de Alicia, das malcriações de seu sobrinho, das sabotagens de Tita, das investidas de Hernández, das broncas dos religiosos, ele era obrigado a suportar muita pressão no ambiente de trabalho.
Punir um promotor afamado como ele seria um prato cheio para a mídia e para os colegas de profissão que invejavam sua fama. Por adotar essa postura de castigador, muitos estavam doidos para castigá-lo. Há tempos andava em uma corda bamba. Qualquer vacilo seu poderia significar o fim de uma carreira excepcional.
Tinha de tomar cuidado com secretárias, com estagiários, com advogados, com promotores e procuradores. Fora do tribunal, era preciso se proteger principalmente da cunhada, que tomou como meta acabar com o elo existente entre ele e Malena. Depois que se separou do marido, ou melhor, que foi trocada por outra, vivia em sua casa. Precisou comprar uma briga e tanto para que ela não se mudasse para lá de vez.
Alicia insuflava as crianças, perturbava a irmã, fazia drama para a mãe, dava ordens para a empregada, munia o ex-cunhado com informações privilegiadas. Interferia em tudo. Complicado viver daquela forma. No entanto, Malena tinha um misto de amor e pena em relação a sua única irmã. Micaela e Tomás a adoravam. E dona Valentina, por mais que conhecesse seus defeitos, não podia desampará-la. Coisa de mãe. Já Tita e Hernández deixavam-se manipular em troca de alguma vantagem.
Por conta dos problemas em casa, o promotor deixava de cumprir horários, esquecia-se de demandas importantes, não participava de reuniões internas e andava com um mau-humor insuportável. Em diversas oportunidades ele pediu uma licença, alguns dias para viajar com a mulher, mas recebeu uma coleção de nãos como resposta. Havia um mutirão de casos para julgar e estado mental de menos para realizar tudo isso.
Chegava a ser grosseiro com colegas e funcionários. Era uma panela de pressão ambulante, pronta a explodir. Em razão do estresse vivido em casa, Sebastian começou a cometer o erro de misturar o profissional com o pessoal. Naquele julgamento mesmo, via Alicia no rosto da acusada. Tomou para si as dores do já falecido cunhado da ré.
Durante sua exposição, Sebastian acusa, com ódio latente, aquela mulher. Seus olhos chegam a envermelhar. Se pudesse, mordê-la-ia. Desqualificava a ré com adjetivos duros e doloridos até mesmo para uma acusada de assassinato. Arrancou lágrimas daquela cunhada de olhos assustados. Na platéia, a família dela se revolta.
Enquanto cava o túmulo daquela mulher, pensa em como dar um jeito em sua vida. Ao mesmo tempo em que trata a ré sem misericórdia alguma, pensa se Deus está realmente querendo lhe castigar por alguma coisa.
Jamais havia traído Malena, amava-a sem limites. No entanto, por alguma razão, não conseguia demonstrar mais isso. Gostava das crianças, mas sua vontade de brigar com elas era infinitamente superior a todo e qualquer sentimento. Tinha diversas idéias para mudar esse cenário, mas não conseguia colocá-las em prática.
Será castigo dos céus? Ele não acreditava em castigo de Deus até o desenrolar dos últimos fatos. Um padre o proibir de freqüentar missas? Uma madre expulsar uma filha sua da escola? Só pode ser castigo.
Sua fala vai ultrapassando os limites da sanidade na medida em que as mensagens chegam com conteúdos cada vez mais fortes. Ele não pode verificar o celular, mas sabe, de alguma forma, que elas estão chegando. Alguém parece sussurrar o texto das mensagens em seu ouvido. E isso o faz interromper intempestivamente sua falação com a justificativa de que voltaria em seguida.
O juiz fica sem entender aquela atitude, a defesa protesta, a ré respira, a platéia vaia. Dentro do banheiro, Sebastian busca as mensagens. Elas dizem que Hernández é muito melhor que ele na cama. Dizem que ele é um idiota. Dizem que ele irá perder tudo, da carreira à mulher. Dizem que ele duvidou do castigo e que agora irá vivê-lo por inteiro.
Aquilo tudo o faz ficar sem prumo. Mesmo assim, volta à sala do júri. Entra esbaforido. Começa a sentir tonturas. A pressão sobe. Estresse. Fadiga. Dor no peito. Formigamentos. Pensa em Malena, em São Miguel, no demônio e naquele homem negro e alto que parece ter dominado seus pensamentos.
Ele aponta o dedo para a ré e grita: culpada, culpada, culpada. Ele olha para o juiz, para o advogado de defesa, para as pessoas da platéia e os vê girando, girando, girando.
Retira o celular do bolso e vê, no visor do aparelho, a palavra “traidor” estourar em feitio de pipoca. Ele se descontrola, dá um grito inentendível, joga os papéis dos autos para o alto e desmaia para só acordar em uma sala estreita e branca, com um médico lhe prestando atendimento.
Ele novamente se descontrola maldizendo aquilo tudo. Quer voltar para a sala do júri e encarcerar aquela mulher que deixou no banco dos réus, bem como colocar o juiz e todos aqueles imbecis em seus devidos lugares. Empurra o homem de jaleco, destrata uma assistente, ameaça a segurança, fala em golpe e é sedado por uma injeção inesperada.
Ao despertar, horas depois, sem entender o que se passa e ainda com a vista turva, recebe três notícias no passado. Precisava se tratar com urgência, pois está com uma arritmia cardíaca preocupante; recebeu um afastamento punitivo de sessenta dias do exercício da promotoria e havia perdido sua primeira causa: aquela mulher acusada de matar o cunhado foi absolvida pelo juiz.
Diz que vai recorrer, mas ninguém o escuta. Só lhe resta pegar o celular e reler as mensagens. Liga para Malena e quem atende depois de insistentes tentativas é Tita. Diz que a patroa esqueceu o celular, que saiu com a irmã e as crianças logo em seguida dele.
Tita é analfabeta digital. Não escreveria as mensagens. Mas elas foram enviadas pelo celular de sua mulher e dentro do contexto vivido pelos dois. Só podiam estar mentindo. Ele deixa o tribunal e tenta buscar refúgio, mas ao chegar à igreja em horário de novena lembra que não pode entrar.
Anda sem rumo por praças, ruas e becos lendo e relendo aquelas mensagens.
Bebe. Tenta se matar. Cai. Esfola-se. Destrata uma jornalista que ligou em seu celular. Bebe novamente. Discute com um estranho. Procura por anjos e arcanjos. Chora.
Ao cumprir com maestria sua tragédia diária, volta para casa tão sujo e atormentado quão descrente da vida vivida até então.
Observação do autor: Atenção leitores: próximo capítulo no dia 06 de abril (terça-feira). Feliz Páscoa a todos os que acompanham esta trama.
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