Daniel Campos

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31/12/2011 - Capítulo 68

O filho do trovão

Sebastian acorda. Na verdade, acorda para outro plano. Levanta-se de seu corpo. Nada de sustos ou de dramas. Pela primeira vez em sua experiência medúnica recente tem plena consciência enquanto perispírito. Enxerga seu corpo físico, a luminosidade do cordão de fluídos que o prende mantendo-no vivo na crosta terreste, Malena deitada ao seu lado na cama. Não está em outro mundo como das outras vezes, mas em seu próprio quarto.

Em sua frente, sentado numa poltrona vermelha, um homem de quarenta anos, estatura mediana, moreno claro, de olhos castanhos e cabelos longos e lisos cobertos por um chapéu de feltro. Veste calças marrons e camisas de mangas longas. Traz uma bengala em uma das mãos.

- Olá. É... Quem é você? – indaga Sebastian.

- Não se lembra de mim, Vicente?

- Desculpe, mas meu nome não é Vicente e eu não e recordo de você. Sei que não é umbralino por conta de sua vibração, mas nunca lhe vi antes. Deve ter se enganado de endereço.

- De modo algum. Faça um esforço.

- Não consigo me lembrar da sua fisionomia.

- Esqueça os traços, as lembranças, os nomes e então fixe sua atenção na energia. Se preciso for, feche os olhos.

- Não pode ser...

- Não substime seus instintos.

- Jhaver!

Dizendo isto, Sebastian fica imóvel e calado. Queria correr, abraçar o amigo, agradecer por tudo, perguntar por onde andou, mas fica sem reação. Só consegue dizer:

- Você não era negro?

Jhaver ri.

- Então é isso o que você tem para me dizer? Tanto desejou ver como sou para falar essa bobagem? Espíritos não têm cor, tampouco formas definidas. Somos energia. Depois de tantos ensinamentos impressiona-me como você ainda está ligado à materialidade. Eu vim assim porque queria ver se você se lembrava de uma das vezes em que estivemos muito próximos nesta dimensão. Mas parece que não se lembra ou não quer se lembrar, não é?

Imediatamente Jhaver muda de imagem, volta a ter sua encarnação original e uma das mais freqüentes ao longo de suas existências: negro, olhos esverdeados, estatura alta e esguia. Um homem elegante de um metro e noventa e sete centímetros de altura. Sapatos número 41. Fala rebuscada. Braços longos como chicotes.

- Ah! Esse é o Jhaver que eu conheço.

- Engano seu. Você conhece muitos outros Jhavers e, na verdade, não conhece nenhum.

- Eu queria lhe dizer tantas coisas...

- Sinto muito, mas hoje você somente vai ouvir. Não temos muito tempo e é preciso que seja assim.

- Mas é que eu queria lhe contar...

- Ao contrário de você, eu já sei tudo o que tem para me falar.

Sebastian se cala e se aproxima do amigo espiritual. Jhaver emana uma luz esverdeada, para ser mais preciso, uma luz verde cana, bastante forte. Uma vibração boa. Depois que deixou de ser O Castigador passou a transmitir leveza, candura, conforto. Mudou de padrão vibratório, de cor de aura.

- Eu vim porque chegou o momento de lhe revelar algumas coisas que você sempre quis saber e que são necessárias para um futuro próximo. Toda vez que me perguntava eu dizia que ainda não havia chegado a hora. Mas agora sua vida se transformou, você se transformou. Acredito que está preparado para esse momento. Peço que confie em mim e apenas escute. Não poderei lhe explicar com detalhes. Por isso, fique atento.

Sebastian senta em uma cadeira localizada ao lado esquerdo da poltrona. Jhaver está vestido com uma bata verde água. Ele faz um gestual com as mãos como que fechando um portal, criando uma espécie de campo de força vibratório, no intuito de impedir que outros espíritos escutem ou interfiram na conversa.

- A primeira vez que desci a Terra foi em 1425 aC. Como pode observar, sou um espírito que contabiliza quase três mil e quinhentos anos de existência. Ao todo, tenho 56 vidas terrenas. Por 56 vezes desci a Terra. Habitei 56 corpos diferentes. Trinta dessas vidas foram de luz. As outras, de sombras. Antes de ter essa luz que você testemunha, já cheirei enxofre sem ter luz alguma. Antes dessas batas, já me vesti de farrapos e feridas. Antes de habitar jardins, já fiquei jogado no lamaçal do umbral.

- Ao longo da minha trajetória, sofri e fiz muitas pessoas sofrerem. Morri de várias maneiras e também matei de formas as quais eu nem gosto de lembrar. Virei às costas e ajudei. Bati e apanhei. Abandonei e fui abandonado. Fui incompreendido inúmeras vezes antes que eu pudesse compreender. Convivi com vários deuses, vários povos, vários costumes. Conheci céus e infernos. Castiguei e fui castigado. Com uma sina triste, jamais vivi mais do que cinqüenta anos em nenhuma dessas vidas.

- Não temos tempo e nem autorização para eu lhe contar todas as minhas vidas. Vim aqui para mencionar algumas passagens importantes para que você possa entender o que nos une, o que me faz estar aqui.

- Pela primeira vez, há 1425 a.C, vim ao mundo como filho de um rei. Nasci assim negro, com esses traços, com essa aparência. Jhaver é meu nome de luz, da maioria das vezes que estive na terra fui chamado de outras formas. Sou filho do quarto rei de Oyo. Você já deve ter ouvido falar dele?

- Acho que não. Oyo não me é familiar.

- Parte do território de Oyo é onde hoje se localiza a Nigéria.

- Mesmo assim não sei quem é esse tal rei. É famoso?

- Nunca ouviu falar de Xangô?

- Xangô?

- Xangô, Shangô, Sango... O yorobuá Xangô, o vodum Badé, o inquice Zaze... São Jerônimo, São Pedro, São João Batista...

- Meu Deus, mas como misturar candomblé e espiritismo?

- Os orixás são espíritos com um determinado grau de evolução. Espíritos que quando encarnados cometeram acertos e erros como qualquer um de nós. Já lhe disse que esse céu da Igreja Católica não condiz com a realidade. Todos os espíritos nasceram de uma força superior, que pode ser chamado de Deus, de Olorum, de Jheová, de Zeus, de Amon-há, de Tupã. O candomblé tem determinados ritos assim como a Igreja Católica, o Islamismo e o Budismo têm os seus. Além disso, os yorubás sempre acreditaram em reencarnação. Os povos de Oyo, de Ketu, de Ifé, de Ijesá, de Ibadin cultuavam tanto divindades naturais como a ancestralidade. Os yorubás acreditam que sempre renascem no seio da sua tribo para continuarem sendo regidos por seu orixá.

- Então você é filho de um orixá?

- Quando Xângo me gerou ele ainda não era um orixá, era um ser vivo com ligação entre os dois mundos. Era um rei. Um conquistador. Um homem com defeitos e qualidades.

- Sou descendente dos yorubás. Sou bisneto do grande guerreiro Oduduwa, que invadiu Ifé, que veio para a África para regenerar os filhos de Caim, que traziam assim como ele um sinal na testa. Sou neto de Oraniã, que conquistou Oyo, e se casou com uma princesa. Sou filho de Xangô, que destronou o próprio irmão, Acajá, para se tornar rei de Oyo, o maior império yorubá que já existiu.

- Mas Xangô não é o orixá da Justiça?

- Antes de ser o orixá da Justiça, Xangô foi um homem que cometeu inúmeras injustiças. Meu pai teve muitas mulheres. Iansã, Obá e Oxum são as mais conhecidas. Mas eu não sou filho de nenhuma delas. Sou filho de um relacionamento de Xangô com uma humana que não se tornou orixá. Minha mãe vivia em uma tribo isolada em Kosso, um território em que Xangô dominou à força depois que saiu de Tapas. Minha mãe, uma negra bonita de apenas quatorze anos também não escapou da sua gana.

- Nasci de Xangô, mas não fui reconhecido por ele. Não gozei da fortuna, do poder, da nobreza de meu pai. Quando tinha doze anos minha mãe morreu. Antes de fazer a passagem, revelou-me o nome de meu pai. Fui atrás dele em Oyo, mas de nada adiantou. Nunca acreditou em mim. Tive uma vida miserável, preenchida por revoltas e dores. Cometi muitos erros assim como meu pai, que foi temido e adorado.

- Você como Castigador também foi temido e adorado.

- Por favor, cale-se. A rejeição me deixou machucado, tomado pela raiva, pelo ódio, pelo rancor. Eu queria me vingar dele. Por pouco não o matei quando fiquei frente a frente com ele em seu palácio de cem colunas. Ele escapou por pouco da ponta da minha lança. Fui preso por seus guerreiros. Fui torturado. Fui morto por um de seus homens. Morri antes de completar vinte anos por obra da tirania de meu pai.

- Ao contrário de aprender com o sofrimento, fiquei ainda mais revoltado. Morri com os dentes cerrados, jurando justiça. Aliás, foi assim que morri na maioria das vezes. Morri sem avançar um degrau sequer na estrada da evolução. Fui para o umbral. Fiquei dezenas de anos lá. Até que acordei e fui chamado para reencarnar, no intuito de resgatar minhas dívidas.

- Você já é conhecedor do processo reencarnatório. Para reencarnar o espírito precisa se arrepender de seus erros e buscar uma nova chance de repará-los. Muitas vezes esse arrependimento é bastate tímido. No entanto, os seres de luz se aproveitam disso para conduzir um umbralino à vida nova. Na maior parte das vezes, os umbralinos descem sem estarem prontos para isso. Sem preparação alguma. E por isso voltam a cometer os mesmos erros. Eu vivi no Umbral com o sentimento de fazer justiça. E esse sentimento desceu comigo.

- Quando Xangô tentou conquistar a Terra e o Céu e foi punido pelas forças superiores, tendo como castigo a destruição de seu palácio, de seu império, de seu trono, observou que era melhor praticar a justiça do que injustiçar. Pediu perdão às forças superiores e se enforcou. Mas nunca ninguém encontrou seu corpo. Os deuses o perdoaram. Por tantas injustiças cometidas e sofridas, transformou-se então no orixá da justiça.

- Quando isso tudo aconteceu eu já tinha morrido. Estava no Umbral. Mesmo não estando mais na Terra eu não o perdoei. Não naquele momento. Meu pai me procurou, mas eu não o reconheci. Tudo seria mais fácil se eu optasse pelo perdão. Mas como falar de piedade para quem só conheceu o ódio? Mesmo assim, reencarnei para tentar aprender com meus erros. No entanto, o resultado já estava previsto.

- Voltei a nascer em Oyo. Eu tive a chance de reconstruir minha vida. No entanto, não tive tempo para isso. Morri aos oito anos de idade, vítima de febre da mata. Antes disso, tinha matado dois irmãos meus por conta de comida. Não tive culpa, só os mais fortes sobreviviam a um mundo de guerra e miséria.

- Por mais uma vez, fui para o Umbral e recebi a visita de meu pai. Por mais uma vez, fui ira. Quando nos desprendemos do corpo físico voltamos a ter todas as lembranças das vidas passadas. E aquela ânsia de vingança me consumia. Voltei a nascer em Oyo. Ao contrário da justiça, escolhi o caminho do castigo. Habitava em mim aquele Xangô impiedoso, deus do trovão, viril, atrevido, violento, castigador, obstinado por poder e justiceiro. Foi essa a herança que ele me deixou. Foi assim que me forjou. Aliás, ao tratar minha mãe como um bicho ele me fez sem amor. Aliás, me fez sem qualquer sentimento nobre. Fui fruto de um instinto. De um instinto selvagem. E era esse instinto que me movia vida após vida.

- A face justa, a face da verdade, a face da esperança que Xangô encontrou no fim de sua existência terrena ainda estava longe de mim. Eu só consegui ser um castigador. Queria castigar os mentirosos, os ladrões e os malfeitores. Só que eu não sabia destinguir direito quem era quem. Morri novo, aos vinte e oito anos, sem conseguir resgatar absolutamente nada. Fiquei novamente mergulhado nas trevas. Por mais uma vez briguei com Xangô.

- Pela quarta vez nasci em Oyo, tive a oportunidade de liderar meu povo rumo a um reino de paz. Mas eu promovi a guerra. Por mais uma vez, abandonei meu pai, abandonei meu povo, abandonei o caminho da evolução. Tentei fazer com que o culto a Xangô fosse banido, usei seu machado somente para matar e não para construir. Foi a primeira vez que morri vítima de um raio, de uma descarga elétrica. Fiquei mais uma longa temporada no Umbral. Como eu havia renegado a minha nação e principalmente o meu pai, meu castigo foi descer à terra longe de meu povo. Nasci nas cercanias de Oyo para desde muito pequeno ser escravizado e levado para o Norte da África, no reino de Amenofis IV, no antigo Egito. Nasci como escravo na época da adoração de Amon, o deus sol que não era propriamente sinônimo de luz. Novamente manchei minhas mãos de sangue.

- Renasci no reino de outros imperados egípcios, matei em nome de deuses que eu não acreditava e jamais me encontrei naquela cultura. Tive uma vida marcada pela bebida, pela fúria, pela libertinagem. Trai as minhas origens, mudei de lado. Ao contrário de homens, cultuei animais. Passei a castigar escravos como eu. Queria me vingar de tudo e de todos, inclusive de mim. Tanto que em duas oportunidades eu mesmo ceifei a minha vida.

- Em outras vidas, testemunhei o êxodo dos Judeus do Egito. Vi o Rei Nacau II ser derrotado por Nabucodonsor. Vi os persas conquistarem a África. Na época, morri na mão de um deles. Nasci na terra do Nilo novamente e sofri com a sede de poder de Alexandre, o Grande. Anos depois, em outro corpo, vi Cartago ser destruída por Roma e o Norte da África ser dominado pelo Império Romano.

- Renasci poucos anos antes de Cristo pela primeira vez fora da África. Nasci no Oriente Médio. Fui um daqueles que chicotearam o filho de Deus. Por isso dizem que o chicote que carreguei como Castigador durante esse tempo todo era daquela época. Tive o sangue de Cristo no meu chicote. Morri sem reconhecer Cristo como o rei dos Judeus. Mas antes de fazer a passagem fiz uma coisa que permitiu que eu não ficasse para sempre nas sombras. Pouco antes de morrer dei de comer a um pobre que bateu em minha porta.

- Ao longo das minhas existências, fui acusado muitas vezes injustamente. Acusado, por exemplo, de incendiar uma cidade, de praticar bruxaria, de provocar revoluções, de trair, de estuprar e de cometer outros crimes. Nasci pobre e rico. Nasci livre e escravo. Nasci predestinado e condenado. Fui trabalhador e bandido. Fui amado e temido. Estive por detrás de assassinatos desconhecidos e históricos. Chorei e fiz muitos chorarem. Morri afogado, queimado em uma fogueira, enforcado, esfaqueado, baleado. Já arrancaram meus braços, já retalharam meu corpo, já cortaram minha língua...

- Provei da cólera de meu pai quando tive em uma vida minha mulher e meus filhos mortos por um raio. Morte por raio tem a assinatura de meu pai ou de uma de suas mulheres, Iansã. Como disse, eu também morri mais de uma vez dessa forma. Era o castigo por eu ter feito algo errado. Muitas vezes quando escapava do meu caminho, principalmente no que diz respeito ao aspecto religioso, escutava um trovão. Por vários anos esse trovão roncou dentro de mim, abalando meu juízo e alimentando minha sede de justiça.

- Quando nasci como Mouro, no século oito depois de Cristo, fui morto durante a invasão Ibérica. Antes disso, durante a Quinta Cruzada, eu mais uma vez morri no Egito. Morri nas mãos de um cavaleiro branco. Foi a primeira vez que nossos destinos se cruzaram.

- Eu lhe matei?

- Por favor, apenas escute. Essa foi a primeira vez que você me matou. Na ocasião da invasão dos mouros, quando eu levava a palavra de Maomé à península Ibérica, você também me matou. Eu voltei novamente, como filho de um rei. Voltei com essa imagem.
Jhaver se transforma novamente. Surge como um homem de pele mais clara, com traços finos.

- Mas esta é...?

- Sim. Essa é a imagem que você me encontrou no Umbral quando me resgatou. Sabia que iria se lembrar de mim e assim escapar da cilada provocada pelos umbalinos.
Sebastian emudece, abaixa a cabeça e chora.

- Foi com essa imagem que eu nasci seu irmão. Mas como eu era seu irmão mais velho você me matou para ficar com o trono. Antes de morrer reneguei a riqueza, o poder e aquele mundo que não me pertencia.

- Suas vidas de luz e sombras foram sucessivas ou...

- Alternadas. Tinha vida que eu ia por um caminho de luz, mas na volta essa ânsia por justiça a qualquer custo me dominava e me tirava do eixo novamente. Ainda mais que nas vidas que eu era bom, para resgatar coisas de vidas passadas, eu morria de forma muita dura, quase sempre depois de sofrer demais. Por exemplo, em várias vidas fui curandeiro. Ajudava a curar pessoas. Mas mesmo assim tinha minha casa queimada, meu corpo apedrejado, minha reputação alvejada, minha família morta.

- Depois que reneguei a riqueza, desci novamente na África, mas agora no Congo, no século XIV, no reinado de Kan-Kan. Como castigo pelo tudo que tinha feito na vida passada, provei da miséria. Liderei um grupo de revoltosos e fui morto. No leito de morte, clamei por Xangô. Ele me perguntou se eu o perdoava, se eu queria o reino dos céus, porque morri por um ideal justo, mas eu disse que não, que queria ser um orixá como ele, ter poderes para acabar com tudo aquilo. Ele disse que eu não poderia. Então pedi para que ele matasse Kan-Kan com um raio. Ele não fez nada. Mais uma vez, fiquei sozinho sofrendo as conseqüências do meu egoísmo.

- Ao contrário de descer como poderoso, reencarnei no território do antigo império de Oyo, como um negro que foi perseguido, retirado dos braços de sua família, de seu povo, de sua religião. Fui amarrado feito bicho, jogado num navio e levado para um país desconhecido. Brasil. Mais uma vez nos cruzamos. Você foi o capataz que me chicoteou por incontáveis vezes.

- Como castigo você nasceu negro pela primeira vez no Brasil da escravidão. Eu, também na condição de escravo, liderei uma revolução. Brigamos pelo amor da mesma mulher. E você me açoitou.

- Em outra vida, nasci seu pai. Você me renegou como eu reneguei Xangô. E me bateu e, me castigou e, me expulsou de casa e me jogou à própria sorte. Eu encontrei abrigo num terreiro de candomblé que era comandado por uma Mãe de Santo, filha de Xango. Passei a viver da generosidade daqueles que matinham aquele lugar. Você nunca mais me procurou. E eu morri sozinho depois de passar três anos numa cama.

- Nasci novamente. Tive uma vida simples. Tive família e trabalho. Nasci filho de santo. Herdei o terreiro de minha mãe. Vivi anos praticando caridade, incorporando Xangô. Você, como policial, tentou fechar o meu terreiro várias vezes. E me prendeu. E me castigou. Rasgou atabaques. Quebrou instrumentos. Morri de tanto apanhar. Você era cego pelo catolicismo. Queria expulsar o demônio que dizia habitar em mim. Morri em suas mãos chamando por Xangô.

- Quando cai, meu pai veio me buscar. E eu pude finalmente escolher entre descer ou ficar. Tornei-me um anjo negro. E como Xangô, um ser voltado à justiça. Tornei-me o braço castigador de Deus.

De certa forma, foi você quem me fez recuperar tudo o que eu havia perdido. Por isso lhe dediquei uma atenção especial desta vez. O nosso reencontro séculos depois não foi por acaso. Aliás, acaso é uma palavra que não existe nos planos superiores.

Você colaborou para que eu me transformasse em O Castigador e agora pode me transformar de uma vez por todas em O Consolador.


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