25/11/2010 - Capítulo 59
Mais um assaltoO fato de institutos metrológicos terem confirmado a chegada de um grande tsunami à costa da Argentina no mesmo horário marcado para o início do julgamento de Sebastian mexe ainda mais com o imaginário popular. Os cidadãos querem que ele seja libertado imediatamente, pois aquela onda só pode ser um castigo dos céus. Todas as mortes brutas, os acidentes coletivos, os fenômenos negativos são atribuídos a Jhaver, o eterno anjo castigador, que estaria enfurecido com a prisão de seu pupilo.
Assim como as pragas que Deus lançou contra o Egito, Buenos Aires estaria condenada a um tempo de infortúnios. Muitos, nessa visão apocalíptica, tratam Jhaver como um novo Lúcifer, cercado de anjos caídos, e Sebastian como um falso profeta. Diz a Bíblia que Lúcifer levou consigo um terço das hordas celestes, expulsos do Céu pelos demais anjos liderados pelo arcanjo Miguel.
Por mais absurdas que fossem algumas associações, esse modo de pensar rende frutos no seio da população argentina e mundial. Há discussões nas ruas e nos veículos de comunicação, com autoridades e cidadãos comuns se manifestando de forma ativa contra ou a favor de Sebastian. Há um universo de atos públicos, de passeatas a uma série de correntes de email na internet, em vários cantos do país e do mundo. Há, inclusive, quem faça greve de fome em solidariedade ao prisioneiro.
Em uma carta polêmica, o Papa pede serenidade e sensatez à população, no sentido de que não se deixe influenciar por falsos profetas. No documento, contesta as insinuações do promotor e diz que O Castigador não existe, pois Deus é amor. Chama Sebastian de traidor, de mentiroso, de pecador e afirma que abrirá pessoalmente seu processo de excomunhão.
Ao contrário de acalmar, essas palavras fizeram acirrar os ânimos de tal forma que algumas igrejas foram apedrejadas e incendiadas mundo afora. Especialistas consideraram a declaração do sumo sacerdote da Igreja Católica uma incitação a guerra santa. Entidades pedem a saída do Papa por não saber lidar com a questão.
Além de padres, pastores das mais variadas igrejas, médiuns, aiatolás, rabinos, babalorixás, enfim, representantes de diferentes religiões se manifestam. Todos estão alvoroçados querendo defender seu espaço e seus ideais dentro da nova conjuntura religiosa. A confusão deixa os templos e ganha às ruas.
Quebra-quebra, gritaria, mortes. Diante do cenário, o delegado, amparado pela decisão de um juiz, proíbe todas as visitas de Sebastian, inclusive às de natureza familiar. Ou seja, Valentina, mesmo querendo, não poderia mais vê-lo. O isolamento seria completo.
Para uns, isso significava tortura. Para outros, um meio de tentar acabar com o caos. Afinal, teoricamente, fato novo algum em relação ao promotor viria à tona até o seu julgamento. Valentina fica indignada, não admite tal proibição. E isso é um prato cheio para a mídia, que acaba colocando mais tempero nesse prato ao dizer que a sogra de Sebastian, uma importante médium, acredita em sua inocência. Foi o máximo que pode fazer para tentar ajudar aquele que lhe possibilitou encontrar com seu avô, Franco Palácio.
Enfraquecida pelos últimos acontecimentos não conseguia sair do corpo físico para encontrar o genro, ainda mais em uma ambiente pesado como uma cadeia. Além da forte carga de energia negativa presente no local, há muito ferro. E espíritos sentem dificuldades em permanecer em lugares com esse material. Outra coisa que afasta os samaritanos é a sujeira. Por isso, Sebastian faz questão de ele mesmo limpar sua cela várias vezes ao dia. É necessário deixar o ambiente limpo.
Mesmo diante de todas as dificuldades impostas pelo cenário, Jhaver o visita quase que diariamente, levando conforto e esperança. O prisioneiro não o vê, mas recebe suas mensagens, de forma telepática e, sente sua presença e seu perfume. São nessas ocasiões que ele transmite energias para o encarnado por meio da imposição das mãos. Ele havia tentado até mesmo deixar um pouco de sua luz ali, naquele lugar, para proteger Sebastian, mas o ambiente pesado não permitiu tal feito.
Muitos anjos, principalmente os chamados anjos da guarda, deixam essas luzes junto de crianças para que elas não sofram ofensivas dos espíritos das sombras. Diante da luz, eles recuam.
Numa dessas visitas, Jhaver avisa que irá se ausentar por um tempo curto, pois foi ordenado a fazer uma viagem para resgatar algumas pendências em relação a sua evolução. É o suficiente para aproveitarem da situação.
A cadeia é um ambiente excelente para a desenvoltura dos espíritos ruins, que vivem da raiva, da inveja, do ódio, da maldade, do rancor alheio. Um umbralino muito forte, acompanhado de outros, vai ao encontro de Sebastian. As luzes da cela piscam até apagar. Um vento sombrio invade o ambiente. Tudo se aquieta.
Juntos, atormentam-no, fazem-no sentir-se mal, trazem-no lembranças desagradáveis e visões horríveis. Acontecimentos reais e mentiras se misturam. Pequenas tristezas ganham proporções descomunais. É como se o levassem para um campo de concentração instalado num outro paralelo.
Sebastian tenta enfrentar os ataques com orações e concentração, mas a intensidade da carga negativa é muito forte. Ele escuta vozes trazendo frases que ferem como faca, ele ganha golpes no corpo físico, ele tem suas energias sugadas. No entanto, ele resiste. O plano é enfraquecê-lo de tal modo até conseguirem levá-lo à forca. Querem que ele amarre lençóis na grade e se enforque. E o incitam para isso.
Um dos umbralinos tenta possuir-lhe, mas não consegue. Devido ao processo de purificação vivenciado pelo promotor e pelo trabalho de energias feito por Jhaver, o corpo de Sebastian está fechado. Porém, isso não impede que ele sinta toda a dor dessa batalha. Ele chora, tenta não perder a concentração, intensifica as orações, ajoelha. Os desencarnados espantam-se diante de sua resistência.
No entanto, tempo depois, sob um grito, Sebastian cai, debate-se, parece que vai ter uma convulsão ou coisa do gênero. Debate-se contra as grades. É como se seu corpo fosse empurrado, chutado, atirado de um lado para o outro. O carcereiro aparece e debocha. Diz que se ele for santo mesmo que se salve, que se cure sozinho. O policial ri, gargalha, perde o fôlego.
Como Sebastian não cede aos desejos dos umbralinos, estes se apoderam do corpo do carcereiro, que abre a cela e começa a espancar o prisioneiro com um cassetete. O sangue espirra longe e mancha pisos e paredes.
E onde estão os protetores de Sebastian? Jhaver estava ausente, praticamente fora de ação. E não era qualquer espírito que poderia descer naquela situação. Também não eram todos os samaritanos que estavam dispostos a ajudar aquele prisioneiro. Sendo assim, sobravam-lhe poucas alternativas. Franco fora chamado para uma reunião com superiores. Benjamin estava no Umbral em missão de resgate. Alda e as demais virgens de Nossa Senhora não poderiam habitar tais ambientes.
Quem aparece para resgatar o promotor é Klaus, que estava cuidando do hospital. Quebrou os protocolos, deixou a obrigação de lado e chegou de uma vez iluminando o ambiente e devastando os umbralinos ali presentes. Embora fossem surpreendidos pela visita, uma daquelas criaturas não se rende à luz de forma alguma. E Klaus começa a perder força de forma perigosa.
Para sorte de todos, chega outro espírito com um brilho ainda mais forte. A luminosidade foi tão intensa que até mesmo o carcereiro, voltando a si, presencia parte daquela cena. Vê um campo de luz muito branca e forte envolvendo Sebastian, que soluça ao chão e, mesmo machucado, sorri um sorriso leve. Um sorriso de vitória. Afinal, ele havia resistido. Estava com muitas dores, com muitas marcas, mas vivo.
Ele se ajoelha diante do preso e pede perdão. Diz que vai chamar um médico. Ele segura nas mãos do agente penitenciário e diz que não quer doutores e remédios, pois está em jejum, que seus médicos, portanto, serão os espíritos amigos e que sua medicação será a fé das pessoas em sua inocência.
Entre lágrimas e euforia, o carcereiro sai pelo corredor afora gritando milagre, milagre, milagre. A cena que testemunhou foi o suficiente para pedir demissão daquele emprego e dizer a jornalistas o que tinha visto. Havia fracassado, portanto, a idéia das autoridades de neutralizar novas informações sobre Sebastian.
Devido ao acontecido, na tarde seguinte, durante o julgamento, Jhaver apareceria com o rosto e o corpo machucado. Um fato, no mínimo contraditório, que chamaria a atenção da imprensa, já que Sebastian, poucas horas antes, passou por uma bateria de exames físicos e psicológicos para averiguar se teria condições de enfrentar o júri.
Uma medida de praxe, ainda mais considerando que ele está em jejum há muitos dias e isso poderia dar força à argumentação de que estava fora de si ou tendo delírios. Contudo, a banca médica votaria pela liberação. Não existia nada de errado com ele.
Jhaver fica enfurecido quando descobre o ocorrido, principalmente pelo fato de uma daquelas criaturas das sombras ter sido um anjo caído, um dos anjos expulsos do paraíso junto com Lúcifer. Desconfia que quem havia orquestrado aquele ataque foi Perrot, pois está inconformado com o fato de não ter sido escolhido chefe dos castigadores.
Para ele, não haveria como uma horda dessas descer sem que o trajeto fosse facilitado por alguém do lado da luz. A saída de um espírito de carga negativa daquela magnitude do Umbral deveria ter sido percebida pelos exércitos celestiais e impedida. Os anjos caídos são constantemente vigiados. Qual a razão dessa falha?
Diante de tal inconformismo, procura por Tsadkiel, o príncipe da Ordem das Denominações, que cuida de fiscalizar o trabalho dos anjos. São encarregados de fazer com que as ordens angelicais cumpram as suas missões. Ele diz que irá investigar as acusações e tomar providências, se julgar necessário. Contudo, adverte Jhaver sobre o fato de estar se envolvendo demais na vida de Sebastian.
Em tom mais ameaçador do que amigo, avisa que em breve Jhaver será chamado para uma reunião com os príncipes dos nove coros celestes, inclusive com as presenças do serafim Metraton e do arcanjo Miguel, para que seu destino seja selado.
Assim como Sebastian, seu julgamento se aproximava.
Ao contrário de encontrar apoio, Jhaver encontra obstáculos. Nunca haveriam de lhe ajudar. Só fariam castigá-lo quanto mais pudessem. Foi para isso que o nomearam encarregado de cuidar do portal do Umbral, vigiando a entrada e saída de espíritos. Uma tarefa que ocupa quase o tempo total daquele que um dia reinou sobre espíritos encarnados e desencarnados, da luz ou das sombras.
Muito estranho o fato de Jhaver ter sido afastado do posto justamente no dia em que um anjo caído iria atacar. Ninguém, fora as entidades superiores, sabia dessa sua ausência. E ao chegar ao local determinado para cumprir a tarefa atestou que fora enganado, pois não existia necessidade de ter ido até lá, ainda mais com aquela urgência.
A cada dia enchem-no mais e mais de trabalho e tarefas. Uma forma de testá-lo, de provocá-lo, de ocupá-lo. Nas reuniões sempre faziam questão de fustigá-lo de uma forma ou de outra. O fato de estar ditando algumas coisas para Sebastian colocar em um livro aumentou à ira do celestial. Porém, sua cabeça está forte e focada em seus propósitos.
Entre o portal do umbral, as descidas a terra, os momentos na gruta da purificação, as obrigações coletivas, as reuniões, Jhaver se desdobrava. Estava extenuado. Porém, cumpria suas obrigações a risca. Não podia dar espaço para a dúvida. E uma multidão ainda duvidava dele, mais precisamente, de sua regeneração.
Franco, Klaus, Benjamin, Alda estavam no grupo de frente com ele. E a cada dia ganhavam mais adeptos. Um grupo que media forças com os interesses ocultos que queriam forçá-lo a virar novamente castigador.
À medida que o grupo em torno de Jhaver só fazia aumentar e ele se firmava cada vez mais como uma liderança os adversários temiam que ele fosse realizar algum golpe no plano celestial. Embora estivesse cada dia mais do lado da luz, das coisas do bem, das atitudes positivas, tentado ser obediente até o limite de seus limites, muitos ainda acreditam que ele não passava de um novo Lúcifer, querendo destronar Deus.
Mas havia quem pensasse diferente. Afinal, a quem pertence aquela luz que ajudou Klaus e Sebastian no dia do ataque? O mistério permanece. A única coisa sabida é que foi uma luz muito forte vinda de alguém bastante poderoso.
Embora o presente e o futuro ainda fossem incertos, a certeza era de que tanto o plano terreno quanto o plano superior não sairiam ilesos depois de um advento chamado Jhaver.
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