Daniel Campos

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21/10/2010 - Capítulo 56

Mais do que uma entrevista

- Você acredita mesmo que tudo é culpa dos espíritos?

- Tudo é uma palavra muito forte. Agora, de certa forma, o mundo físico sofre, segundo a segundo, influências do mundo espiritual em intensidades e modos diversos. É muita inocência acreditar que não existe uma força ou, melhor, um leque de forças por detrás de nossa existência.

- Você sofreu influência de algum espírito ou de alguma dessas forças que se refere para matar monsenhor Mariano?

- Eu não o matei.

- Então foi algum espírito quem o matou?

- Que eu saiba, não.

- Então onde ou em quê você atribui à influência de espíritos?

- Na minha prisão, por exemplo.

- Mas você é o principal suspeito. Discutiu com o padre Mariano diversas vezes, ameaçou o sacerdote e simplesmente desapareceu depois de seu assassinato. Os fatos contra você são bastante contundentes e mais, não há álibi que lhe inocente.

- É disso que falo. Esses enredamentos, essas ciladas, essas teias são obras de forças ocultas ou acredita que estou aqui por destino?

- E por que essas forças iriam se unir para planejarem sua prisão?

- Elas não se uniram agora, mas há tempos quando o selo dos meus castigos foi rompido por um anjo. Venho sofrendo diversas punições nos últimos tempos. Muitas delas culpa do meu comportamento, outras de ações realizadas em vidas passadas. Essa prisão é só conseqüência de um processo.

- O seu afastamento do Ministério Público também faz parte desse processo?

- Sim, assim como a internação de minha esposa, os tristes episódios que ocorrem com meus enteados, o assassinato de Gastón e o levante de acusações contra mim. Tudo faz parte desta rede de castigos que fugiu do controle, sendo agora apropriada por espíritos mau-intencionados.

- Nossa. É uma teoria e tanto. Qual a sua religião?

- Sou Católico Apostólico Romano.

- Então não seria correto acreditar que Deus é amor?

- Eu também acreditava nisso até que...

- Até quê?

- Até que eu descobri que o mesmo Deus que ama também castiga.

- Desculpe, mas com que propriedade você pode afirmar isso?

- Experiência própria. Eu fui castigado por um anjo castigador, ou melhor, pelo senhor dos castigadores.

- Está afirmando que existem anjos castigadores?

- Sim.

- Mas os livros sagrados não dizem nada a respeito.

- A existência desses anjos é segredo. Isto é, era segredo até esta entrevista. Ao longo dos séculos a Igreja Católica buscou cada vez mais afastar o celestial do inferno e do demônio, estereotipando Deus como um ser bondoso, amável e caridoso. Mas se você ler o antigo testamento vai encontrar outra postura divina.

- Você é ou quer ser uma espécie de profeta, um novo evangelista?

- Não. Sou apenas alguém que foi castigado por um anjo.

- E qual é o nome desse anjo?

Silêncio.

- Qual é o nome dele, Sebastian?

Silêncio.

- Qual o nome do anjo castigador?

- Jhaver!

Nesse momento a luz da sala de reunião falha, os policiais que fazem a guarda na porta se agitam, mas logo a lâmpada volta à normalidade.

- Essa interferência indica a presença de Jhaver aqui?

- Quem vai responder isso não sou eu, mas a sua fé.

- E como ele é e, o que ele faz e como você o encontrou?

- Desculpe, mas eu não posso falar mais nada sobre ele. Ainda não.

- “Ainda não” quer dizer que você vai falar posteriormente?

- Sim. Ele me deu a missão de escrever um livro sobre ele.

- Você vai virar escritor? Vai desistir da carreira de promotor?

- Não! Vou apenas servir de instrumento para que Jhaver possa revelar sua história à humanidade.

- E se disserem que está se aproveitando da situação para aparecer ou, até mesmo, ludibriar a sociedade e os jurados?

- Podem pensar e dizer o que quiserem. Eu não pedi para fazer isso, tampouco quis essa tarefa. No entanto, fui escolhido por Jhaver.

- Você é médium.

- Digamos que um médium aprendiz.

- E quando descobriu a mediunidade?

- Há pouco tempo. Mas foi uma experiência bastante intensa, tanto que posso admitir que essa descoberta transformou completamente a minha vida.

- Você vê, ouve, fala com espíritos? Como é sua comunicação com eles?

- Também não é o momento de falar sobre isso.

- Você já fez algum julgamento usando esse dom?

- Não. Como disse, essa descoberta é recente.

- Mais uma vez insisto que a população pode pensar que isso não passa de uma forma de você tentar se esquivar das acusações e, até mesmo, de se promover.

- Se eu quisesse autopromoção não falaria sobre um universo que poucos acreditam. Escolheria um tema de maior apelo popular. Seria muito mais cômodo dizer que eu vi Nossa Senhora aqui na cela, numa dessas aparições que acontece pelo mundo, do que tentar convencer alguém de que mantenho contato com um castigador. Além do mais, se eu quisesse me esquivar do julgamento já teria contratado um advogado e entrado com pedido de habeas corpus, não acha?

- Então você confirma que mantém contato com Jhaver e que não terá advogado mesmo?

- Sim.

- E quem lhe defenderá: Deus ou esse Jhaver?

Silêncio.

- Deus ou Jhaver?

- Jhaver tem me ajudado muito. É o que posso falar. No entanto, também há outros espíritos me orientando.

- Além de aplicar castigos, como esses espíritos agem em sua vida?

- Quem aplica, ou melhor, aplicava castigos é Jhaver. Os outros, conhecidos como samaritanos ou, socorristas ou, simplesmente, espíritos de luz, são mensageiros do amor. Atuam invisivelmente por entre espíritos encarnados e desencarnados. Aplicam passes venturosos, projetam intuições benéficas, soltam espíritos apegados, resgatam desencarnados depois de se arrependem no Umbral, tocam secretamente os corações e melhoram as nossas energias.

- Então, Deus é metade amor metade ódio?

- Não. Deus é amor, só que esse amor não o cega, não o impede de julgar, de castigar aqueles que vão contra seus interesses e leis. Deu ama, porém disciplina seus filhos.

- Quer dizer que o castigador não é o demônio?

- Em hipótese alguma! Há espíritos de baixa vibração, de índole ruim, com grande concentração de energia negativa que preferem o lado obscuro da existência. Na verdade não existe um demônio, mas muitos seres que vivem no chamado Umbral, nas zonas baixas. E na hierarquia de lá uns são mais poderosos e temidos que os outros. Eles têm seus líderes, seus ídolos, seus chefes. Além disso, eles, assim como os espíritos de luz, têm o poder de influenciar na realidade terrena.

- E Lúcifer, o histórico diabo da igreja?

- Lúcifer era um anjo de luz. Foi castigado por Deus ao tentar tomar seu lugar. Desde então, tornou-se um anjo das sombras e vive num meio onde há espíritos de vibrações semelhantes às dele.

- Lúcifer é um anjo das sombras como Jhaver?

- Não. Jhaver é um anjo de luz, ainda mais agora que se converteu deixando os castigos de lado. Mesmo quando era um castigador, pertencia a uma ordem angelical, afinal, Deus precisa de alguém para aplicar seus castigos. E Jhaver não castiga por maldade, mas para corrigir. Ele não tinha prazer em castigar, fazia-o de forma profissional cumprindo as tarefas de seu cargo. É preciso encarar o castigo como uma forma de a pessoa evoluir ainda na Terra, encontrando assim seu caminho.

- Você vê essa prisão como uma etapa evolutiva?

- É preciso muito cuidado para saber distinguir os castigos de Deus das ações dos umbralinos.

- Se está aqui por conta dos umbralinos, por que não contrata um advogado e responde em liberdade? Você tem dinheiro, status, influência?

- Porque eu preciso evoluir em matéria de fé.

- Então está preso por um capricho, por uma questão pessoal.

- Pelo contrário. Muitos espíritos encarnados e desencarnados dependem dessa provação.

- Essa conversa está ficando muito subjetiva.

- Ainda bem que a fé não é objetiva como uma receita de bolo.

- Você disse que Jhaver lhe ajuda atualmente. Ele lhe julgou inocente?

- É complicado taxar de julgamento o que Jhaver fez comigo. Os espíritos superiores conhecem bem as leis de causa e efeito. Onde for possível, e se as leis maiores permitirem, eles ajudarão os encarnados.

- Essas suas revelações podem mudar a história da igreja e, até mesmo, o curso das religiões. Não teme represálias religiosas?

- A igreja, infelizmente, por certas razões, nega-se a enxergar as coisas, limitando de forma bastante equivocada a compreensão espiritual de seus fiéis.

- Mas as pessoas podem se assustar com esse discurso de Deus castigador.

- Realmente, um Deus castigador afugenta seguidores. É muito mais fácil acreditar num Deus que perdoa tudo, afinal somos pecadores.

- Por que alguém vai cultuar esse Deus que você prega? Um Deus que ao contrário de misericórdia, envia castigos.

- A questão não é pregar, mas esclarecer que tudo depende do ângulo em que se encaram as coisas. Monsenhor Mariano me proibiu de entrar em uma igreja. Quem você acha que é o castigador nessa história: Deus ou o homem?

- Você era um católico fervoroso, não acreditava em espíritos. Soube que sua mulher é de uma linha muito tradicional e importante de kardecistas. Ela lhe doutrinou?

- De modo algum. Os espíritas não doutrinam nem forçam a barra com ninguém, pois sabem que cada um tem seu tempo de despertar.

- É verdade que há espíritos lhe alimentando nessa greve de fome?

- Sim. Embora em jejum de matéria, estou sendo alimentado energeticamente falando.

- Fazem isso por que acreditam em sua inocência?

- Eles não precisam acreditar. Eles sabem de tudo. Eles vêem tudo o que fazemos, enxergam até nossos sentimentos e pensamentos.

- E o que eles pedem ou querem em troca dessa ajuda?

- Eles fazem isso por sua própria bondade, sem nada esperar, apenas pelo amor que guia seus propósitos.

- E por que eles não lhe tiram daqui?

- Ainda não chegou a hora.

- Por que Jhaver não entorta as barras de ferro de sua cela e lhe liberta? Seria uma ótima forma de ele atestar sua existência, além de fazer uma ação promocional do livro que você irá lançar.

- As coisas não funcionam assim. Nem mesmo Jesus Cristo concedeu espetáculos diários aos seus seguidores ou descrentes. Aliás, espiritualidade não combina com shows. A fé deve ser simples e verdadeira.

- Mas Jesus fez muitos milagres.

- Jesus viveu 33 anos. Você consegue citar pelo menos um milagre por ano feito por ele?

O jornalista balança a cabeça em sinal negativo. Mas não deixa de questionar:

- Quer dizer que milagres não existem?

- Pelo contrário, quero dizer que nem todos os milagres são visíveis, embalados por pirotecnia e doses explícitas de magia.

- O que você espera que as pessoas pensem de um promotor que se tornou exemplo de Justiça, depois teve sua imagem abalada por uma série de acusações e agora fala em espíritos e anjos castigadores para justificar sua situação?

- Não quero justificar absolutamente nada, apenas provocar as pessoas para que elas percebam que existe outro mundo, muito mais amplo e profundo do que este em que vivemos.

- Você se considera um enviado de Deus?

- Não. Sou apenas um castigador que assim como Jhaver também tenta se converter.


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