Daniel Campos

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24/09/2010 - Capítulo 54

Olhos nos olhos

Sebastian acorda olhos nos olhos com Jhaver:

- Meu Deus, você aqui, tão perto. Finalmente eu consigo lhe ver. Estranho, é como se eu já lhe conhecesse. Seu rosto me parece tão familiar.

- Vim para lhe agradecer pela oportunidade que me deu. Quero retribuir o fato de ter rezado por mim, de ter conseguido me perdoar mesmo depois de ter iniciado essa onda de castigação. Foi você quem me fez refletir sobre o meu estado. Foi você quem provocou a minha mudança.

- Se quer retribuir, então se prepare, pois vai ter muito trabalho. A minha vida está uma confusão. É tanta coisa que eu nem sei por onde começar...

- Não se preocupe. Tenho acompanhado de perto os últimos acontecimentos.

- E você, Jhaver, como está?

- Adaptando-me a nova vida.

- Não é mais um castigador, não é? Está vestido de branco e não carrega mais aquele chicote.

- Não.

- É um socorrista?

- Estou caminhando para isso.

- Agora me responda, por que resolveu me castigar?

- Vou lhe contar isso, mas não hoje. Afinal é uma longa história e temos pouco tempo e muita coisa para resolver.

- E o que eu faço?

- Vou lhe ajudar. Mas para isso preciso que se mantenha concentrado, que não desanime. Já sabe que o seu desânimo alimenta os umbralinos. Toda e qualquer energia negativa pode desestabilizar o processo.

- Difícil conseguir isso preso nessa cela. Ficar a sós comigo é angustiante. Lembro que até pouco tempo atrás eu era um promotor respeitado, vivia feliz com a mulher que amo, tinha confiança na minha fé. Agora...

- Enfrente-se. Esforce-se ao máximo. E quanto a esse jejum?

- Vou continuar. Quero aproveitar essa fase de desajuste em minha vida para fazer um balanço de tudo, passar as coisas a limpo. Sem ser pretensioso, quero viver um tempo de sacrifício e purificação. Sempre fiquei muito atrás da imagem católica de Deus, de São Miguel, de Nossa Senhora. Quero aproveitar essa minha estada forçada aqui para pensar quem sou eu, para refletir sobre a minha fé. Quero me fortalecer.

- Respeito a sua decisão. Vou lhe enviar luz para que consiga encontrar-se e, também, encontrar seu caminho.

- Você sabe que vai ser muito difícil eu não sofrer alguma condenação. Há muitas acusações contra mim e, embora seja inocente, não tenho como provar quase nada.

- Confie. Vou lhe ajudar.

- Eu queria que você me ajudasse a trazer Valentina para o meu lado. Ela é uma pessoa fundamental na tentativa de provar a minha inocência.

- Essa é uma tarefa difícil. Sua sogra tem ódio de mim, não acredita na minha mudança. Acha que sou um traidor.

- Outra coisa: quero pedir pra você proteger Micaela e Tomas das garras de Alicia. E, se possível, fazer Malena acreditar em mim.

- São pedidos complicados. Contudo, vou ver o que posso fazer.

- Se for para você escolher entre salvar seu amor, sua família, sua carreira, sua imagem, sua evolução o que você escolheria?

- Malena.

- Vidas depois, você continua apaixonado por essa mulher.

- Vidas depois...

- Sim. Vocês têm se buscado ao longo de muitas existências.

- Nas outras vidas os finais desse romance foram felizes?

- Nem sempre.

- Na minha última encarnação, nosso amor foi bem sucedido?

- Vocês terminaram sozinhos, amando muito um ao outro, mas sozinhos. Por isso, dessa vez, demoraram tantos anos para se encontrar.

- Mas ela não me esperou, casou com Hernandez.

- Na vida passada foi ela quem precisou lhe esperar. Aliás, morreu lhe esperando. O casamento precoce foi uma tentativa de fugir de você. No entanto, não há como fugir ou se esconder desse amor.

- Somos almas gêmeas?

- Sim. E almas gêmeas sempre atraem muita inveja e ódio. Há sempre alguém nessa ou em outras dimensões tentando separar vocês.

- Será esse tormento para sempre?

- É o preço que terá de pagar por um amor intenso e verdadeiro.

- E vão deixar você me ajudar? Soube que meu avô foi castigado.

- Eu sempre fui meio rebelde. E embora eu não tenha mais o poder de antes, posso fazer muitas coisas ainda.

- Klaus e os outros estão bem?

- Sim. Cada um sofrendo um pouco com o fato de terem me ajudado. Houve quem perdesse parte dos poderes, quem fosse mandado para outras colônias e quem fosse, digamos, rebaixado em seus afazeres. Ainda sou visto como a serpente do paraíso.

- Está morando perto deles?

- Agora estou morando na colônia em que Franco administra. Fui encarregado de guardar o portal do umbral e de buscar almas arrependidas. Um trabalho bastante desgastante, mas como sei que jamais terei facilidades. Por mais que eu evolua e contribua com a evolução dos outros espíritos, para muitos serei sempre um ex-castigador.

- Arrependeu-se.

- Não.

- Arrependeu-se então de ter sido castigador por tanto tempo?

- Também não. Digamos que eu precisei passar por isso. Tudo foi e tem sido um grande aprendizado.

- E quem foi eleito para o seu lugar?

- O meu lugar no Conselho dos Castigadores ainda está vazio. Não sei o que estão pretendendo. As instâncias superiores não se manifestaram quanto a isso. Por enquanto o que se vê é uma guerra de egos, vaidades e orgulhos.

- Será que ainda estão achando que você vai voltar?

- Realmente, não sei quais os planos deles para comigo.

- E vindo aqui você não corre o risco de sofrer algum castigo?

- Ouça bem: ninguém está livre de castigos. Mas se estou aqui é porque aceitei correr esse risco.

- Meu Deus, que situação...

- Falando em riscos, tome cuidado com Celeste.

- Acha que ela pode ficar do lado de Alicia no julgamento?

- Não. Estou falando do que nasceu entre vocês. Eu sei que você tem um grande afeto por ela e uma espécie de sentimento de culpa, por se achar responsável pela morte de Gastón. Ela, por sua vez, é muito ajuizada e conhecedora do seu amor por Malena. Mas além de vocês serem humanos, sujeitos à fraqueza, muitas pessoas podem entender mal essa relação. Os ânimos já estão bastante exaltados. E se você quer mesmo recuperar a confiança de Malena precisa se afastar de confusões.

- Certo. Não vou procurá-la mais.

- Não seja tão radical. Quero que você converse com ela. Esclareçam qualquer dúvida sobre o que estão sentindo.

- Eu não sinto nada por ela. Para mim, é apenas uma amiga.

- Ela se faz de forte, mas está muito fragilizada com tudo o que aconteceu. É normal que ela confunda essa amizade com outra coisa.

- Como se eu já não tivesse com o que me preocupar?

- Celeste quer lhe ajudar, portanto, não a magoe. Já notei que você é muito duro com as palavras. Amanhã ela vai vir aqui lhe visitar e lhe trazer um desenho. Preste muita atenção nele, pois tem coisas que eu não posso dizer diretamente a você.

- Por quê?

- Porque você ainda não está preparado para ouvir certas coisas, porque eu não tenho autorização para dizer tudo o que necessito e porque há muitos espíritos tentando interceptar nossa conversa.
- Você já viu Padre Mariano?

- Não.

- Mas...

- Você ainda acredita que todos os padres vêm para o céu?

- Eu pensei que ele pudesse dizer quem o matou.

- Não será preciso. Eu sei quem o matou.

- E quem foi?

- Você vai saber na hora certa.

- Quanto mistério. Mas tudo bem, confio em você.

- Você não sabe o quanto me fortalece dizendo isso.

- Então...

- O que você está pensando é a mais pura verdade. As palavras têm força. E muitos não sabem fazer uso disso. Grande parte da nossa vida se deve ao que sai da nossa boca. Quer um conselho? Valorize o silêncio.

- De ficar aqui, nessas condições, estou com uma dor insuportável nas costas.

- Jhaver coloca as mãos sobre as costas de Sebastian e vai fazendo movimentos de passe, arrancando aquele desconforto.

- Qual seu maior sonho?

- Viver em paz com Malena, ter um filho com ela.

- Mudaria sua vida por conta desse desejo? Seria capaz de renunciar a várias coisas para alcançar esse propósito?

- Sim...

- Para ter algumas coisas é preciso abrir mão de outras.

- O que você está querendo dizer?

- Aproveite esse seu retiro para identificar as mudanças que pode fazer em sua vida.

- Vou fazer isso.

- Esteja certo de que vou estar sempre por perto.

Os dois se despedem e o promotor acorda. Acorda novamente. Acorda desapontado por tudo não ter passado de um sonho. No entanto, sua dor nas costas havia desaparecido e o ar naquela cela estava mais suportável.

Independentemente de ter sido uma visão, um sonho ou um encontro real, aquele encontro mexeu com Sebastian, que passou o resto da noite sem pregar os olhos que, por algum tempo, se acharam e se perderam nos olhos de Jhaver.


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