Daniel Campos

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26/08/2010 - Capítulo 50

Eles estão em todo lugar

Trazendo nos dedos, no pulso e no pescoço boa parte dos lançamentos da joalheria Palácio, Alicia entra em um desses cafés que povoam o bairro da Recoleta e acomoda-se em uma mesa composta por xícaras de café, copos de bebida, aperitivos, jornais e a impaciência de seu cunhado.

- Isso são horas? Seu atraso já ultrapassa uma hora e meia.

- Nossa! Tudo isso é saudade. Não sabe como me alegra saber que você ficou esse tempo todo esperando por mim.

- Sem sarcasmos, por favor. Estamos aqui por uma questão política.

- Política? Pensei que nosso encontro seria mias pessoal. Aliás, não sei por que não marcou em um lugar mais elegante ou, digamos, aconchegante. Este lugar é tão sem glamour.

- Pelo visto vai ser mais difícil do que eu pensei...

- Só se você complicar... Se depender de mim tudo será muito fácil.

- Pois bem: quero o direito de visitar, ou melhor, cuidar de Malena. Essa situação não pode continuar. Onde já viu me proibirem de ver minha própria esposa.

- Nossa, fizeram isso com o promotor?

- Demagoga.

- Minha irmã está muito bem. E não sou eu quem diz. O oficial de Justiça que você mandou lá testemunhou, com aqueles olhos azuis, que ela está sendo muito bem tratada. Para consolidar isso, combinamos de nos ver amanhã novamente. Só que agora fora daquele ambiente frio e desconfortável de hospital.

- Dissimulada. Não sei como Malena pode ter confiado em você esses anos todos.

- E se depender de você ela vai continuar confiando.

- Muito pelo contrário.

- Se eu fosse você deixava essa empáfia toda de lado e começava a me tratar com mais delicadeza. Ainda nem pedi algo para beber, tampouco lhe falei dos meus planos.

- Diga logo o que você quer.

- Você!

Sebastian não pode ver. Mas Alicia está cercada por uma aura bastante turva. Há umbralinos a acompanhando, fortalecendo seus atos. Em contrapartida, Agatha está bastante próxima dele tentando lhe trazer paz e tranqüilidade. Uma guerra invisível entre o bem e o mal.

- Pensei que iríamos entrar em um acordo. Pensei que iria dizer logo seu preço.

- E eu já disse: quero você.

- Eu amo a sua irmã.

- E quem está falando em amor? Não se esqueça de que casamento não passa de um contrato, tanto que sempre termina em uma batalha comercial.

- Você só pode estar louca.

- Muito pelo contrário. Sei que não posso manter Malena nessa clínica pelo resto da vida. Seria ótimo, mas não tenho como fazer isso. Mais dia menos dia ela vai querer conversar com você e retomar seus negócios, sua casa, seus filhos. Por isso, preciso que você me apóie. Quero que me deixe morar em sua casa, que a convença a me deixar administrar a rede de joalherias e que retire todos os processos que move contra mim na Justiça.

- Por que eu faria isso?

- Simplesmente porque, em contrapartida, eu lhe deixaria viver com Malena, o amor de sua vida. Você desempenharia o papel de marido apaixonado e eu, o de irmã dedicada. Contudo, seríamos amantes.

- Amantes?

- Sim. Teríamos uma relação secreta e muito próxima.

- E as crianças?

- Pensa que eu não sei que você está escondendo os meus sobrinhos?

- Cuidado com as acusações...

- Pois saiba que eu não quero cuidar de filho de ninguém. Isso não me interessa. Você pode ser marido, pai, genro, tio, enfim, o que quiser, desde que seja o meu amante.

- Quer que eu engane Malena?

- Não é bem enganar a palavra certa. Talvez poupá-la de algumas coisas. Além do mais, você poderá recompensar sua consciência pesada amando-a muito. Quero que viaje bastante com ela, que a deixe afastada daqui de Buenos Aires o máximo que puder. Penso ou não penso na sua felicidade?

- Você não presta.

- Sério? Não é isso o que sua amada pensa. Para ela, o traidor é justamente este que está em minha frente.

- Claro, sua cínica, você a envenenou...

- Será que tudo é culpa minha mesmo? Pense bem: quem foi quem envenenou seus pais? Eles lhe odeiam. Ao menos foi isso o que eles demonstraram quando estive lá uma tarde dessas para tomar chá.

- O que pretende com meus pais?

- Quero apenas saber um pouco mais sobre você, já que nunca permitiu que nos conhecêssemos melhor.

- Fique longe deles!

- Calma! Como seremos amantes a partir de agora é mais do que normal que eu conviva com meus sogros, não acha? E sua mãe é uma pessoa tão boa. Apenas quer ter uma vida melhor. E eu gosto de gente que tem ambição. Devo dizer que o jeito bruto de seu pai mexeu bastante comigo. Se ele não fosse o seu pai...

- Eu nunca vou ter nada com você!

- Quem é ela?

- Ela?

- Só pode ter outra mulher nesse jogo. É ela quem lhe impede de se render a minha sedução. Quem é? É aquela tal de Celeste com que você anda se encontrando. Pois saiba que eu sou muito melhor do que aquela menininha. Sei de coisas que você nem imagina.

- Cale-se. Celeste é só uma amiga.

- Mas pelo que sei vocês andam se encontrando com freqüência. Inclusive, em horas altas da noite.

- Anda me seguindo agora?

- Eu propriamente não. Mas você não é o tipo de pessoa que a gente pode deixar livre demais. Você é perigoso.

- Aproveite esse seu medo e dê o fora.

- Não antes de selarmos nosso acordo. Prefere fazer isso com beijo, sangue ou champanhe?

- Melhor parar com essa conversa por aqui. Trair Malena é uma coisa fora de cogitação.

- E ficar sem ela para sempre?

- Isso não vai acontecer. Nós nos amamos e vamos ficar juntos. Ninguém irá impedir.

- Estamos somente nós dois aqui, portanto, pode falar a verdade. Eu sei que não é nada ético falar mal de irmã, mas ela é cheia de defeitos. É incapaz de fazer um homem feliz.

- Como pode falar um absurdo desse?

- Segredo.

- Eu amo Malena e ela me faz muito feliz sim, em todos os sentidos e aspectos. Pelo que estou vendo mais do que ganância, você tem inveja. Inveja de sua irmã e quer tudo o que é dela. Mais: quer se transformar nela. Sinto em lhe informar, porém, você não chega aos pés dela.

- Garanto que depois de experimentar o que sou e o que tenho vai mudar de idéia.

- O nojo que sinto em relação a você é algo que dispensa qualquer experimento.

- Pois posso apostar que isso não passa de discurso pré-estabelecido. Fica bancando o durão só para fugir do que desconhece. Por isso me olha de cima com o escudo da prepotência. Tem medo de me olhar no mesmo plano e ceder aos instintos que lhe provoco.

Entre um copo de bebida e um cigarro, Alicia tenta seduzir Sebastian a aceitar sua proposta. Os umbralinos adoram pessoas ligadas a vícios. Induzem os fracos a se embriagarem e a se drogarem, no intuito deles ficarem vulneráveis e servirem de instrumento para prejudicar outras pessoas, inclusive com a morte.

- Eu jamais faria qualquer coisa contra Malena.

- Depois de tudo o que já fez? Até me violentar você tentou. Mas se firmar um compromisso comigo eu posso dizer para minha irmã que tudo não passou de um mal entendido. Eu choro um pouco e fica tudo certo.

- Você se supera a cada fala.

- Obrigada. Sabia que mais dia menos dia reconheceria meu talento.

Sua perna escapa da fenda de um vestido e ela roça a perna de Sebastian mordendo os lábios.

O promotor se esquiva e pede a conta para o garçom.

Ela segura em seu braço e afirma que pode lhe trazer mais coisas, como Susana.

- O que é isso agora?

- Eu sei que você gosta muito dessa menina, que a acha até especial por conta dessas idiotices de mediunidade que só finjo acreditar para comover dona Valentina. No entanto, depois de uma conversinha que tive com a mãe dela eu acho que nunca mais vai conseguir vê-la. É tão triste isso, não é?

- Eu quero mais...

- Também posso convencer sua sogra a lhe deixar freqüentar aquele Centro Espírita. Posso pedir até para que ela lhe dê algum cargo de destaque lá dentro. Que tal?

- Eu quero mais...

- Outra coisa que posso fazer é lhe ajudar a resgatar sua carreira, limpar sua imagem no Ministério Público. Eu posso fazer. Está bom ou ainda quer mais?

- Onde está Hernandez?

- Todas as almas têm preço. Só não sabia que você seria capaz de se vender a troco de Hernan. Tenho que admitir que essa foi uma jogada e tanto.

- Eu não estou à venda. Só queria ter certeza que sabe o paradeiro dele.

- Esperto você, não é. Mas eu não disse nada. Não sou tola para deixar rastros ou provas que me causem ônus. Afinal, você ainda não me inspira confiança. Ainda não. Não foi à toa que eu sempre fui contra o seu relacionamento com minha irmã, pois você sempre se mostrou muito mais inflexível do que Hernan.

- Sempre soube das suas artimanhas, dos seus jogos, das suas falcatruas, mas jamais pensei que pudessem ter tido o descaramento de...

Alicia não diz nada, apenas ri um sorriso promíscuo.

- Você já foi longe demais.

- Aprenda uma coisa: eu não tenho limites.

- Eu já percebi.

- E isso não lhe excita?

Em resposta a tantos ataques, Sebastian joga um cálice de vinho contra o rosto de sua cunhada.

- Jamais vou fazer acordo com uma pessoa tão baixa como você.

Ele se levanta e Alicia ameaça:

- Não se esqueça que Malena está em minhas mãos. Posso ser a sua pior castigadora. Muito pior do que Jhaver.

Castigos. Castigadores. Jhaver. Como Alicia sabe disso? Certamente, alguém lhe soprou. De qualquer forma, precisa se preparar, pois não é só no Umbral que existem umbralinos.

Eles estão em todo lugar.


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