Daniel Campos

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23/03/2010 - Capítulo 5

Até você, Malena?

- Até você, Malena? Até você acredita nessa história de castigo? Acha que eu lhe roubei de seu ex-marido, que eu matei seu filho, que eu minto em relação a sua irmã, que eu abuso da minha autoridade de promotor? Acha que tudo de ruim que tem acontecido em nossas vidas é porque Deus resolveu me castigar?

- Não faça drama, Sebastian...

- Qual gênero quer que eu faça então, comédia?

- Deixa de sarcasmo. Para o seu bem é melhor não me irritar ainda mais.

- Veja só como você me trata.

- É que eu estou cansada. Todo dia uma discussão. Todo dia as mesmas reclamações. Todo dia o desgaste em torno de nosso casamento aumenta mais e mais.

- E o responsável por tudo isso sou eu?

- Você precisa confiar em mim, dar um tempo para as crianças, deixar as pessoas que me amam em paz...

- Vocês nunca vão me entender.

- Se continuar agindo assim será difícil mesmo. Micaela está na época de namorar, de viajar, de curtir a vida e você a tranca em um colégio de freiras. Tomás é louco por música e, ao contrário de incentivá-lo a formar uma banda, você o obriga a tocar órgão no coral da igreja. Minha mãe, graças a sua grosseria, passa cada vez menos tempo com a gente. Para você, Tita trabalha dia e noite para trazer Hernandez de volta aqui para casa. Isso sem falar da sua mania de perseguir a minha irmã, de implicar com os meus negócios, com as minhas idas à academia...

- Nossa... Considera-me um monstro, não é? Um verdadeiro devorador de famílias...

- Você começou tão bem, mas de uns tempos para cá tem feito tudo errado. Você nos sufoca de tal forma...

- Eu lhe sufoco?

- E você tem dúvida? Esse seu ciúme do Hernandez é algo fora do normal.

- Mas ele nunca desistiu de você.

- O que importa é que eu desisti dele. E essa sua implicância com minha mãe? Sua atitude não tem fundamento. Ela sempre apoiou nosso relacionamento.

- Eu adoro sua mãe, mas não suporto quando ela fala em espiritismo.

- Não seja injusto. Ela jamais tentou lhe obrigar a nada, ao contrário de seus pais.

- Já vai falar dos meus pais?

- É mentira que sua mãe fez e ainda faz de tudo para nos separar? Nunca esqueci os absurdos que me falou. As coisas horríveis que ela é capaz de fazer. Não viu o comportamento dela na igreja hoje? E mesmo assim eu estou com você. Só que o senhor tem que ceder também.

- O que isso tem a ver com o espetáculo de Micaela?

- Tudo. Afinal, isso só aconteceu porque você a pressionou demais. Deixe-a mais livre. Deixe-a superar os acontecimentos. E lembre-se de que a minha família tem linhagem kardecista. Meu bisavô fundou um centro espírita, é um médium muito respeitado até hoje. Meus avôs lutaram tanto por esse centro. Meu pai ampliou as ações do lugar que hoje é a vida de minha mãe...

- E...

- E eu, por sua causa, deixei de freqüentar o centro, de seguir o meu caminho. Porque achei que assim você ficaria mais feliz. Eu abandonei minha vida para atender caprichos seus. Mas você nunca se dá por satisfeito.

- Que mal há em querer que você me acompanhe na vida social, na vida profissional, na vida religiosa?

- Assim como Micaela, não me sinto bem na igreja. Há muitos espíritos ruins que vão ali só para buscar refúgio, há muitos parentes chamando pelos seus mortos, há uma legião carregada de problemas querendo resolver tudo de forma egoísta e tem aqueles que vão ali só para verem e serem vistos.

- Agora espíritos ruins entram na igreja...

- Deixa de ser inocente, Sebastian. Essa lenda de que demônios, ou melhor, espíritos ruins não entram em igreja só funciona no cinema.

- Melhor pararmos por aqui. Você já não diz coisa com coisa.

- Está vendo? Como quer que Micaela respeite a sua religião, se você não respeita a de ninguém. Você nunca foi ao centro espírita. Sempre maldisse o que não conhece... O seu Deus não é melhor que o meu.

- E quem é o seu Deus? Qual o nome dele?

Nesse momento, a porta se abre violentamente e Tomás entra no quarto gritando que tem um homem ao lado de sua cama. Há dias o menino vinha insistindo que um negro alto andava pela casa. Chegava a conversar com ele, a desenhar seu rosto, a imitar sua voz. Só que aos olhos alheios nunca havia ninguém em canto algum.

Pensavam ser imaginação do filho caçula de Malena, alguma fuga psicológica. Só que agora é diferente: a descrição feita por Tomás reproduz o sujeito que ficou parado na porta da igreja intrigando Sebastian.

Enquanto o menino busca refúgio na mãe, o padrasto corre até o local da visão. Mais uma vez, não encontra nada. Quando retorna, Tomás havia desaparecido e Malena estava caída ao chão.

Aparentemente, um desmaio. Mas por quê? Nervosismo? Gravidez? Estômago vazio?

Sebastian se desespera.

Ele vai ao encontro da mulher amada e a abana e a beija e a sacode e a coloca na cama e a pede desculpas. Ela começa a voltar a si. No que ele se levanta para buscar um copo com água, vê no espelho da penteadeira o rosto daquele homem de olhos amadeirados. Madeira de lei.

Atônico, derruba a jarra com água que estava apoiada sob o móvel antigo. Acaba cortando o pé nos estilhaços de vidro que salpicaram o chão. Agora quem o socorre é uma Malena extremamente preocupada com seu estado físico.

Ela se desculpa e o abraça forte.

Os dois se beijam e se amam ardentemente.

Enfraquecida, a desavença adormece antes daquele casal.


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