Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
29/07/2010 - Capítulo 42

Na boca da escuridão

Sebastian se deitou e tempos depois sua consciência desperta ao lado de uma mulher, que mexe em suas energias. Trata-se de Ágata, um espírito bastante elevado. Pura, é uma das virgens que rodeiam a Mãe Santíssima. Está ali para ajudar.

O ambiente ao seu redor é formado por uma espécie de deserto, mergulhado em trevas e sons angustiantes.

- Preste atenção, nós estamos no Umbral, avisou Klaus.

Ao lado de Ágata, um grupo de samaritanos, que também são chamados de missionários, socorristas e emissários. Espíritos acostumados a sair em caravanas pelo Umbral e pela crosta terrestre a procura de quem pede auxílio.

Klaus conseguiu reunir mais cinco espíritos de luz: Franco, Afrânio, Benjamin, Alba e Ágata. Grandes forças do plano celestial.

Para quem esperava um exército, a certeza de que muitos resolveram ficar por medo ou por achar que Jhaver não merecesse ser salvo. Valentina não só deixou de participar, como tentou boicotar a missão dizendo ao seu grupo que o melhor a fazer é deixar o castigador no Umbral.

Para ela, o anjo negro merece o castigo eterno.

Sebastian, assim como Klaus, está vestido com capas e gorros marrom-claro e botas de cano alto. Desta forma poderiam percorrer o Umbral sem serem notados. Se entrassem com suas túnicas de cores claras seriam facilmente percebidos. É necessário se misturar à paisagem, confundir a visão turva dos umbralinos. Eles enxergam pouco e estão acostumados a viver na escuridão.

Por isso, os samaritanos também diminuem a luz que emanam, bem como o perfume. Conseguem alterar também as vibrações, por algum tempo, de modo que ficam invisíveis aos sentidos de espíritos sombrios. É isso que Ágata fazia ao mexer no campo energético de Sebastian.

Antes de iniciarem a missão, os espíritos de luz, por telepatia, lhe recomendam calma, silêncio e atenção aos perigos do Umbral. Também o motivam. As perguntas e respostas são todas feitas e respondidas mentalmente.

- É a terceira vez que tentamos tirá-lo deste lugar. Confiamos em você, diz Alba.

- Não ajude ninguém durante o caminho, não se concentre em nada, apenas siga em frente, alerta Franco.

- Prepare-se! Você irá entrar disfarçado comigo. Pise onde eu pisar; siga os meus passos, recomenda Klaus.

Sebastian olha tudo com atenção, receio e questiona:

- Todos vão conosco?

- Em pensamento sim. O único perispírito que irá acompanhar o seu será o de Klaus, avisa Ágata.

- Eu e Afrânio vamos tentar resgatar outro espírito, um socorrista que se desequilibrou e agora também está sob o poder deles. Na verdade, deixamos esse salvamento para hoje para chamar atenção dos umbralinos e tentar enfraquecer possíveis ataques contra vocês. Já Franco, Alba e Ágata vão ficar em oração, concentrados em vocês. É o que se pode chamar de retaguarda, explica Benjamim.

- Chegou a hora de nos separar. Muita luz para vocês, despede-se Afrânio.

Andam devagar, passos lentos, medidos. Tudo no Umbral deve ser feito com uma precisão cirúrgica.

Ao contrário de quando se viaja no plano material, e percorrem-se quilômetros, no plano astral, quando se viaja, atravessam-se graus de vibração de diferente intensidade. O tempo e a distância como que não existem fora do plano terreno. Por isso os ditados de que o tempo de Deus não é o mesmo tempo dos homens e que não existe distância quando se está com Deus.

Na verdade, são estes diferentes planos e sub-planos de energia vibratória que constituem as condições geográficas do mundo astral. A jornada de Sebastian, assim como toda viagem astral, é definida pela transição de um grau de vibração a outro. Mais do que a paisagem, o que muda é o campo energético. E, nessa caminhada, em específico, a cada novo passo a vibração fica mais insuportável aos espíritos de luz.

Sebastian e Klaus conversam:

- Por que não volitamos? Eu não posso voar?

- Com a minha ajuda sim, mas não podemos fazê-lo. Estamos disfarçados, esqueceu? Umbralinos não volitam. E, de agora em diante, converse só em caso de urgência. Por mais que nossas conversas sejam telepáticas, poderá haver sempre alguma criatura das profundezas ou, até mesmo, algum anjo a interceptar nossa comunicação. E essa é uma missão que quanto menos pessoas souberem melhor. Tanto que informamos a todos que só partiríamos depois de amanhã. Antecipamos a viagem para seguirmos em segredo. Os únicos que sabem desta jornada são aqueles que estavam conosco há pouco. Espíritos bastante evoluídos e de confiança.

Depois das pedras pontiagudas e de espinhos, Sebastian agora pisa e seu pé afunda numa lama podre. O cheiro é insuportável. Ele anda com a sensação de que alguma daquelas criaturas horrendas que habitam aquele lugar pode avançar para cima deles a qualquer momento. Há vultos, uivos, barulho de passos e grunhidos muito próximos. É impossível saber ao certo o que se esconde atrás daquela nevoa, que é feita de energias e pensamentos negativos, poluição e queimadas. O Umbral é um lugar que está sempre ardendo em chamas. Qualquer semelhança com as referências ao inferno não é mera coincidência.

Conforme caminha, Sebastian pisa em poças de sangue, vômitos, estrumes...

Pelo caminho encontram diferentes classes de umbralinos. Nômades que vivem a percorrer os territórios do Umbral em busca de algo que nem eles sabem o que é. Espíritos inquietos. Há quem caminhe em bando, provocando vandalismos, e quem faça aquelas trilhas de forma solitária, como que querendo fugir de si próprio. Existem também aqueles que são escravos de governantes dali, trabalhando nos campos de seus senhores. Há ainda os que ficam jogados pelo caminho, sem força ou motivação para sair do lugar.

Todos passam por Sebastian e Klaus e não dizem nada. O disfarce, por enquanto, surte o efeito esperado. Só um espírito desorientado passou e esbarrou no samaritano, que também o empurrou para ninguém perceber nada. No entanto, Klaus já está com dificuldades de continuar. Seu perispírito vai ganhando um carga energética muito ruim, deixando-o pesado.

Depois de muito caminhar, chegam próximos ao ponto de onde os outros projetores não conseguiam passar. É um lugar onde há muitos espíritos sofredores, jogados para todo lado. É um mar de gente se debatendo, nadando num oceano de putrefação. Ali, vão sofrendo as dores que lhes acompanham desde a Terra. Não conseguem, tampouco querem se desligar desse sofrimento. Só que ao contrário de simples dores lombares e nevrálgicas, o medo, o ódio, a revolta, o rancor e outros sentimentos menores devoram numa violência horrenda aquelas almas desgarradas.

Klaus informa mentalmente que eram espíritos que já tinham sido vampirizados até a última gota das suas energias, e por isso estavam totalmente desfigurados. Alguns sem pernas, outros sem braços. As faces, totalmente dilaceradas. De peitos baleados, uma espécie de sangue interminável corre sem cessar. Um sangre preto. Se o inferno de fato existisse, existia ali. Cada um vivendo o seu próprio demônio.

Gritos e choros se misturam. Reflexo do próprio homem e de seus desequilíbrios. Esquecendo-se do conselho de não se impressionar com nada, Sebastian lembra que sua avó ficou ali por longos anos. Klaus invade a sua mente e diz que é para ele não fraquejar.

Continuam caminhando, pisando naqueles espíritos. É o único meio de avançar. E é assim que os umbralinos andam por ali. Caminhar por entre as cabeças e os braços que se agarram às pernas pedindo socorro aos que passam no único intuito de querer tombar mais alguém ali com eles.

Está quase na hora de Klaus se separar do promotor. Ele já fica para trás, não consegue avançar com a mesma facilidade de um encarnado.

No final daquele mar de lama, um buraco estreito numa montanha de pedra, coberta de espíritos sofredores. É ali que se dá o caminho para chegar até Jhaver. No entanto, quando está prestes de chegar ali, sente um puxão mais forte, Sebastian olha para o chão e vê sua avó caída, toda machucada, pedindo socorro. Dona Soledad ali, agonizando aos pés do neto. Ela só pode ter tido uma recaída e voltado às trevas. E por que não o avisaram? Não deu tempo de Klaus fazer nada.
Sebastian abaixou para ajudá-la e imediatamente sentiu os efeitos de uma energia forte descarregada contra ele vindo de vários lugares.

O promotor se esqueceu de que umbralino, que é umbralino, não ajuda ninguém.

O disfarce chega ao fim.

O grito e o ataque de energias negras parecem conseqüência de algum tipo de alarme. Foi uma armadilha. Ao ajudar aquele espírito que pensou ser sua avó, Sebastian jogou uma energia diferente no ar, de natureza positiva, e isso causou uma grande repercussão no ambiente. Tudo isso porque quando passou por aquele local, pensou no sofrimento de sua avó muito tempo ali e algum espírito aproveitou disso. Usou a fraqueza de Sebastian contra ele.

Klaus, um pouco distante, ainda se mantém disfarçado. No entanto, precisou sair deste estágio para ajudar Sebastian, irradiando muita luz e criando uma espécie de campo de força em torno dele.

Isso cegou os umbralinos e permitiu que o promotor corresse para tentar salvar Jhaver. Alba e Ágata, que haviam ficado na retaguarda, conseguem captar o pedido de socorro enviado por Klaus e se concentram para deixar Sebastian invisível. Franco, que também estava lá, parte em direção a Klaus, no intuito de ajudá-lo. Sabe que não resistiria ali por muito tempo.

Enquanto isso, Afrânio e Beijamin chamam atenção de umbralinos no outro lado do Umbral. Como entraram sem disfarce, muitas criaturas das trevas respeitam a presença deles ali. Querem destruí-los, mas sabem do poder destes seres iluminados e, por isso, não o atacam até descobrir o que eles, de fato, querem.

Mas como queriam chamar atenção, resgataram o socorrista que tinha tido deslizes mas já havia se arrependido, dispensando muitas luzes e energias para atrair os olhares de quem controla aquelas regiões.

Em meio a esse clima, Klaus projeta na mente do esposo de Malena uma ordem, simples e direta.

- Vá e não olha para trás.

Seu Klaus continua a exteriorizar energias na direção dos agressores extrafísicos. São muitos. E aqueles espíritos sofredores caídos ali, como matéria morta, começam a dizer repetidamente “anjo, anjo, anjo” sem cessar. Esse nome atrai a presença de hordas.

Sebastian, seguindo a ordem do espírito que o levou até ali, corre em meio a uma agonia. Na verdade, queria ajudar de alguma forma. Mas o único meio de fazer isso é seguir em frente.

Sente vários tipos de energia lhe atingir, até uma espécie de falta de ar ele começa a sentir. Estava sozinho e com medo. E tudo o que ele não poderia ter naquele momento é ter medo.

Alba e Ágata conseguem fazê-lo ficar invisível. Mas é uma situação provisória. Ele precisa, na verdade, é correr. Correr e encontrar Jhaver.

Uma mente equilibrada sempre pode mais do que a força. Basta querer e se concentrar. Dizendo isso para si mesmo, Sebastian continua. Mas como encontrar Jhaver sozinho? Poderia ser que não voltasse mais. Nunca mais.

Ciente disso, antes de cumprir a tarefa, passou no hospital e se despediu de Malena através daquela barreira de vidro. Ela estava de olhos abertos, mas não percebeu a sua presença. Mesmo com o fim da castigação, as feridas de todo esse processo ainda estão abertas e ardendo muito.

É pensando em Malena, em nome desse amor, que ele entra naquele buraco tomado de escuridão que é chamado de caverna das sombras. Está, mais do que nunca, próximo de Jhaver.

Mas como encontrá-lo sozinho? E pior, como salvá-lo sozinho? Dali, não pode mais falar ou ouvir nenhum outro espírito de luz.

Por falar em luz, talvez nunca mais seus olhos se deparassem com algo que não fosse aquela escuridão que parece querer lhe engolir.

Observação do autor: Próximo capítulo, 3/8 (terça-feira)


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar