Daniel Campos

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18/03/2010 - Capítulo 4

Ataques e contra-ataques

Quando Sebastian, depois de duas voltas na chave e de incontáveis voltas de carro pela cidade, entra em casa, todos já estão em seus quartos. A única que perambula pelos corredores é Tita, empregada da família há mais de dez anos. Com voz apreensiva, pergunta se ele quer jantar, tomar café ou alguma outra bebida. Ele ignora a fala e sobe para o quarto. Mas o silêncio não dura muito.

Malena, sentada na cama com uma camisola colorida em tons de pêssego, quer saber como ele está e onde estava. Ele diz que está péssimo, vivendo um pesadelo. Ela tenta amenizar, mas, sem querer, provoca uma seqüência de ataques e contra-ataques:

- Por mais que você tenha ficado chateado, tem de entender que Micaela é apenas uma menina cheia de medos e incertezas. Ela ainda não aceitou a minha separação, a morte do irmão, a presença de outro homem em casa, a mudança de colégio, a idéia de ter um novo irmãozinho... Tudo está muito confuso na cabeça dela.

- E a culpa de tudo isso é de Deus?

- Ela não tem a sua idade, a sua experiência, a sua fé. É natural que ela ache que tudo seja castigo dos céus.

- Mas Malena, tudo tem limite. Falar mal de Deus dentro da igreja já é um pouco demais. Chamar Deus de tirano é mais coisa de criança mimada do que de quem está sofrendo. E aquela roupa? Ela picotou o vestido e colocou aquele tênis rosa dentro da igreja. Fez tudo de caso pensado. Ela queria provocar. Ou melhor, provocar-me.

- Parece que você nunca foi adolescente. Aliás, cada dia eu tenho mais certeza de que você tem alma de velho.

- Como sempre, já transferiu a culpa de tudo para mim.

- Coitado! Sabe que como promotor você é um ótimo réu.

- Depois de tanto aborrecimento ainda sou obrigado a escutar coisas como essa...

- E não foi você quem obrigou Micaela a estudar em colégio de freiras? Não foi você quem praticamente fez a redação no lugar dela? Não foi você quem organizou toda essa missa? Não é você quem insiste no fato dela ser católica?

- E ela não quer ser católica?

- Não é que ela não queria. Ela é batizada, fez primeira comunhão. Mas ir à missa todo final de semana, comungar, confessar, seguir procissões e novenas já é um pouco demais. Tem que dar um tempo para que ela faça tais coisas por vontade própria.

- Ela precisa é ter disciplina.

- Ir só por ir à missa, por obrigação, não vale de nada. A não ser que você só esteja preocupado com a plástica da coisa. Ao menos, é isso que você parece querer: a família perfeita, só que ao seu modo.

- Amor, como você mudou. Antes achava bonito irmos todos à igreja...

- Mas tudo, como você diz, tem um limite.

- E há limite para a fé? Há?

- E você acha que aquele padre...

- Monsenhor!

- Pois bem, você acha aquele monsenhor ou aquela madre superiora ou até mesmo você tem mais fé do que Micaela só porque ela questiona algumas coisas. Que Deus autoritário é esse que não admite ser colocado em xeque? Que eu saiba, assim como ela disse, Deus nos deu o livre arbítrio...

- Eu sabia. Você e Micaela estão influenciadas por sua mãe. Não sabem o que dizem.

- Eu não vou admitir que você coloque a minha mãe no meio dessa conversa.

- Sua mãe, sim. É ela quem as conduz ao espiritismo. Essa conversa de castigo, de livre arbítrio, de causa e efeito é tudo patacoada espírita.

- Que mal há em acreditar nessas coisas ou freqüentar o centro com minha mãe?

- Eu não admito!

- Você não tem de admitir nada, afinal não é o pai dela.

- Sabia. Você não consegue conversar sem envolver o Hernández. Ele tem que estar sempre presente em nossa vida, em nossa cama.

- Só se for você quem está se deitando com ele...

- Olha...

- Eu nunca menti. Quando você me conheceu sabia que eu era casada, que tinha três filhos, que minha mãe é espírita e mora comigo. Sempre disse que nosso relacionamento não ia ser fácil.

- Eu sei, só não pensava que ia ser tão difícil assim.

Dizendo isso, Sebastian vai até a varanda. Coloca as mãos na cabeça, respira fundo, reza em silêncio e volta ao quarto depois de alguns segundos. Sem se dar por satisfeito ele aborda novamente a mulher, que tenta desaparecer por entre os travesseiros.

- Por que está acontecendo isso com a gente? Nós nunca brigamos com tanta freqüência, nosso relacionamento sempre foi tão leve e alegre. Eu penso e repenso e não chego a uma resposta.

De imediato, Malena responde:

- Você já pensou em castigo?

Observação do autor: Atenção: o próximo capítulo desta história será públicado no dia 23 (terça-feira).


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