20/07/2010 - Capítulo 39
DificuldadesJhaver sofre naquele mundo de sombras e Sebastian, no quarto daquele hospital que há mais de vinte dias se transformou praticamente em sua casa. Entregou-se àquela vigília de um jeito que só a fé ou o amor são capazes de explicar ou compreender. No entanto, o fato de Malena ter acordado não indica que o pesadelo chegou ao fim.
Depois que voltou do coma, das paradas cardíacas e respiratórias que sofreu e dos sedativos, Malena olha para aquele homem que solitariamente a vela, com olhos de esperança, sentado em uma cadeira não menos branca do que tudo o que existia ali e pergunta de forma direta:
- Cadê meu filho?
Diante da falta de respostas, a questão vai se repetindo em sua boca num tom cada vez mais dramático. Choro e lágrimas e ódio e gestos e pensamentos e gritos vão se adequando ao ritmo daquela dor até que ele resolve falar.
Mas ao contrário de palavras, Sebastian só consegue balançar a cabeça em sinal negativo. Um balançar tão lento e pesado quão seu mundo interior.
- O que aconteceu, fale? Por que tanto suspense?
- Amor, você não se lembra de nada do que aconteceu antes de chegar até aqui?
- Depois falamos sobre isso. Quero saber do meu filho? Por que ele não está aqui comigo? Está fazendo algum exame? Como é o rosto dele?
- Muito bonito. Não cheguei a vê-lo de olhos abertos, mas tinha um rosto sereno.
- Eu quero meu filho?
- Nosso filho.
- Já estou preocupada, com uma angústia ruim. Como ele está?
- Calma. Você não pode ficar nervosa. Ele está bem.
- Então por que não o traz aqui?
- Porque ele está em um lugar em que não posso buscá-lo. Bem que eu queria trazê-lo aqui, mas não posso buscá-lo.
- Ai meu Deus, ele está na UTI? Por que não foi para o berçário junto com as outras crianças?
- Meu amor, ele não está aqui no hospital...
- Ele já foi para casa?
- De certa forma, sim.
- Como assim? Ele não foi para casa?
- Não para a nossa.
- Roubaram meu filho e você não fez nada? Está aqui nessa tranqüilidade toda.
- Não é isso. Você vai ter que ser muito forte. Forte como ele esperava que você fosse.
- Essa sua conversa sem fundamento só me deixa mais nervosa? Fale de uma vez por todas: onde ele está?
- Está brincando com outras crianças em um jardim bem bonito.
- Brincando? Num jardim? Quer me deixar louca? Não posso ter dormido por tanto tempo. Eu perdi toda a infância do meu filho? E quem o amamentou? Quantos anos se passaram? Fala!
Sebastian silencia.
- Você fez alguma coisa de muito grave com meu filho. Pegue minha roupa e me leve para encontrá-lo. Vamos. Se não quiser me levar, não precisa, apenas me fale onde ele está.
Mais silêncio.
- O que está esperando?
Malena ameaça levantar e o promotor a segura e diz o que jamais queria ter dito:
- Eu enterrei o nosso filho.
Agora é ela quem emudece.
- Nosso filho morreu há algumas semanas. Infelizmente, natimorto. Tive que escolher entre você e ele. Foi muito difícil. Mas eu a amo acima de tudo. E nosso filho ficou triste por não poder vir à luz, mas me perdoou e concordou com a minha escolha.
- Pare de falar sandices. Uma hora meu filho está brincando no jardim, agora está morto! Como entender?
- O espírito dele não morreu. Está em um plano mais elevado brincando, vivendo, enfim, esperando a hora de poder voltar para nós.
Malena chora e ataca:
- Seu monstro. Você matou nosso filho e agora quer que eu acredite que ele lhe perdoou?
- Mas é verdade. Antonela me disse. Celeste sentiu sua presença também. Tomás o viu.
- Antonela? Celeste? Quem são essas? Suas amantes? Você entregou meu filho para elas? E não fale de Diego. Você não o conhece. Nunca tentou entendê-lo. Esteve sempre ocupado demais com sua carreira para tentar prestar atenção nele.
- Essas mulheres são pessoas amigas do centro espírita, que se dispuseram a me ajudar...
- E desde quando o promotor Sebastian xxx precisa de ajuda? E desde quando o cético que me proibiu de ir ao centro espírita acredita em outras vidas?
- Eu mudei.
- Mudou? Você diz que matou meu filho e quer que eu acredite que mudou. Você mandou os médicos o materem, tirarem-no de mim. Você arrancou meu filho dos meus braços.
- Não. Você sofreu uma pancada forte, teve uma hemorragia, um descolamento de placenta e o bebe não agüentou. Por pouco você também não morreu.
- Era isso que você queria. Que eu tivesse morrido também para viver com suas amantes.
- É melhor você se acalmar.
- Quero que você e sua frieza de assassino vão se danar. Eu não sou igual você. Eu jamais mataria um filho meu.
- Nosso filho não morreu. Ele apenas não nasceu. Adiou seu nascimento. E você quer saber: você iria dar à luz novamente a Diego, que viria resgatar pendências da vida passada.
- Cale a boca. Como ousa falar de Diego e em espiritismo? Respeite a minha dor. Quer tripudiar em cima do meu sofrimento. Você é um doente, um maluco, um insano. Maldita a hora em que me apaixonei por você. Eu quero a minha mãe, meus filhos, minha irmã. Cadê a minha família?
- Sua família está em casa se recuperando de vários acontecimentos tristes. Eles vêm lhe ver todos os dias, mas eu preferi que eles ficassem descansando em casa. Eu fiquei aqui esses dias todos...
- Como sempre você continua mandando na vida das pessoas. Você é quem decide o que é melhor para os outros. Você e esse seu amor egoísta. Socorro, enfermeiros, socorro, tirem esse assassino daqui...
- Amor, não fale assim...
- Eu não sou seu amor, não existe mais casamento algum, vai embora da minha vida... Agora, me lembro... Eu já tinha colocado você para fora da minha casa. Depois de tudo o que você fez com a minha família ainda teve coragem de matar meu filho.
Os enfermeiros entram no quarto e Malena fala aos berros:
- Coloquem esse assassino pra fora. Ele vive de matar os filhos dos outros. Ele quer me matar. Não deixem mais ele entrar aqui. Ele não passa de um mentiroso que quer estragar a minha felicidade.
Sebastian chora.
Os enfermeiros aplicam sedativos no soro de Malena, que segura na mão de uma enfermeira enquanto diz adormecendo:
- Por favor, traga meu bebê aqui. Quero amamentá-lo. Meu peito está cheio de leite. Chega a doer de tão cheio que está. Traga meu filho agora, por favor, ele precisa de mim.
A enfermeira, querendo evitar outro ataque, diz que vai buscá-lo. Malena já não consegue dizer mais nada. Seus olhos se fecham novamente.
Os médicos avisam para Sebastian que a mulher está em estado de choque e que precisa retomar a consciência aos poucos. Muitas verdades de uma vez podem ser fatais ao seu coração.
Diante do desconsolo do promotor, uma médica pede que ele vá com calma, até mesmo que se afaste da mulher por uns tempos. A presença dele pode atrapalhar o tratamento. Optaram pela sonoterapia, para que ela possa ser trazida aos poucos à realidade.
O promotor, num choro calado, beija a testa da mulher que adormece por força da medicação e sai do quarto à procura de um caminho.
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