15/07/2010 - Capítulo 38
Castigos ao castigadorTudo ocorreu de forma tão rápida e inesperada naquele quarto de hospital de modo que a cena ficou um tanto quanto confusa para encarnados e desencarnados. Malena morria aos olhos de todos quando Jhaver chegou e reverteu seu quadro de saúde e seu destino.
Algo de muito estranho aconteceu. Na verdade, ele livrou Malena da influência dos castigos que lhe encaminhavam à morte ao abrir suas asas sobre ela. Em seguida, tirou a marca do castigo do espírito de Sebastian. Se Valentina pudesse ver suas costas agora não encontraria mais vergão algum.
Ao fazer isso, abriu mão de sua essência de castigador. Perdeu suas asas acinzentadas, sua condição de anjo e a maioria de seus poderes. É como se ele, de repente, arrependesse-se de suas castigações optando por trilhar outro caminho. Uma opção que surpreendeu a todos, deixando uns muitos felizes, outros perplexos e outros ainda indignados.
Nos livros sagrados ou no conhecimento celestial não há quaisquer registros de precedentes. É uma situação tão polêmica quão singular. Muitos castigadores foram destituídos por falhas ou vontade superior, mas o grupo dos 12 é bastante selecionado, fruto de uma longa jornada espiritual que demanda evolução, estudos, provações.
Como não existem situações semelhantes, nem mesmo Jhaver sabe o que acontecerá com ele a partir de então. Seja o que for, será lembrado por ter desafiado as leis divinas e interferido na história terrena e celestial ao mesmo tempo. Será visto como herói ou bandido, mártir ou traidor, exemplo de coragem ou fraqueja...
Com sua saída do topo da hierarquia dos castigadores, o equilíbrio entre os mundos é drasticamente afetado. Afinal, ele era até aquele episódio o responsável pela coordenação de todos os castigos atualmente em curso no planeta Terra e nas dimensões atrais. Difícil prever a extensão das conseqüências de seu ato.
Depois do feito e da ventania, seu perispírito apareceu caído em meio a um lugar sombrio, repleto de ruínas. O cenário lembra aqueles altares onde civilizações antigas realizavam sacrifícios e oferendas aos seus deuses pagãos. Ao lado dele, um círculo de fogo e os onze castigadores com chicotes em riste.
Um arcanjo anuncia que haverá uma reunião para decidir o destino de Jhaver. Em seguida, pega o chicote do maior dos castigadores sob a alegação de que aquele instrumento terá de ficar sob sua guarda até que julguem o que será feito dele. No entanto, o arcanjo não consegue segurar aquele chicote. É como se queimasse suas mãos.
Os castigadores também não conseguem se apoderar dele, pois foi feito a partir da energia de Jhaver. Sendo assim, aquele símbolo de punições é envolto por um campo energético criado pelo arcanjo no intuito de que nenhuma outra criatura se apoderasse daquela arma poderosa. Ficaria assim até chegar uma ordem superior.
Porém, Perrot não quer esperar pelo resultado desse julgamento. Sob os gritos de traidor, Jhaver é humilhado e torturado. Os outros castigadores o renegam e dizem que se envergonham de um dia terem sido liderados por ele.
O arcanjo deixa o local sem esboçar reação alguma.
Após a saída do representante de Deus, no centro daquele altar, o senhor dos castigos é oferecido aos umbralinos.
Milhares de espíritos fedorentos, baixos, desfigurados e famintos se aglomeram ali com motivos de sobra para se vingarem de Jhaver. Quantos ele já castigou? Impossível dizer. Muitos sofreram horrores na Terra e, até mesmo, morreram por orquestração dos castigos do anjo negro.
Sem poderes e desmoralizado, Jhaver é levado pelos habitantes do Umbral. Os castigadores passam por cima da orientação do arcanjo e condenam assim o ex-líder. Sem o respeito e o temor de antes, os umbralinos colocam no pescoço daquele anjo caído uma corrente feita a partir de materiais de baixa vibração e o arrastam como um cachorro por lugares tenebrosos.
Ao longo do caminho, ele leva pedradas, pauladas, cusparadas. Embora isso não possa feri-lo, pois é um espírito desapegado do mundo material, fazem-no lembrar de dores e sofrimentos próprios e alheios. E agora não tem mais chicote ou asas para se defender.
O anjo que abria caminho com seus poderes colocando medo nos mais altos governantes do Umbral, agora aceita tudo calado, ciente de que sua decisão foi acertada. Recebido como um troféu por aquelas criaturas, Jhaver é enjaulado como um bicho.
Umbralinos gritam o nome de Sebastian para provocar aquele que era responsável por lhe castigar. Contudo, ele não deixou de ser castigador porque resolveu poupar o promotor. Esse processo de castigação apenas despertou um sentimento novo no anjo negro. Um sentimento chamado arrependimento.
Arrependeu-se dos castigos que executou, daquela vida de punições, de ser o mensageiro de coisas e fases ruins.
Pela primeira vez em muitos séculos, teve vontade de ajudar ao invés de castigar. Não conseguiu mais sustentar, dentro de si, o discurso dos castigos divinos de que é preciso sofrer para chegar à glória, de que é preciso castigar para purificar a alma dos pecadores.
O amor de Sebastian por Malena fez com que Jhaver cogitasse outra forma de socorrer aqueles espíritos desencaminhados que não por meio de castigos. Foi isso que fez seu campo vibratório mudar a tal ponto de não mais suportar o peso da couraça de um castigador.
É essa energia que o fez ser expulso da ordem dos castigadores, que chama a atenção do arcanjo, que aumenta a vontade de destruição dos umbralinos, que motiva o socorro dos samaritanos, que salvou Malena, que o prendeu naquela jaula.
No fundo daquela negridão toda, há uma luz clara, ainda fosca, cingindo a aura de Jhaver e indicando sua mudança. Vive o início de um novo ciclo. Mas como todo início há tentações e fragilidades tamanhas. Ainda mais porque agora ele está em um cativeiro, sob tortura, cercado por lobos carniceiros e energias negativas.
A chance de se revoltar voltando a ser um castigador é bastante grande. Talvez seja por isso que as tropas divinas não impediram que ele fosse levado para lá. O arcanjo poderia ter freado a investida dos outros castigadores. Mas se calou.
Jhaver foi castigado. Mesmo com sua renúncia a esse mundo de punidos e punições, os castigos continuam ocorrendo sob as vistas de Deus. Então, o anjo negro está sendo castigado por ter desobedecido às ordens divinas? Não só por isso.
O valor de Jhaver para a ordem celestial era e continua sendo muito maior na condição de castigador. Quem sabe no meio daquela terra de crimes e tiranos, desvarios, asperezas e ambições, Jhaver não encontra novamente seu desejo de justiça.
De uma forma bastante sucinta, querem obrigar o desertor a voltar ao seu cargo. Quem iria fazer aquele trabalho desgraçado com tanta dedicação e eficiência? Para conseguirem trazê-lo de volta, Jhaver é deixado à própria sorte.
Os sofrimentos que ferem mais dolorosamente os espíritos não são os sofrimentos físicos, mas os relacionados às angústias morais. E a cada novo instante Jhaver é castigado pela sua própria mente que o faz reviver na própria pele as agruras de seus castigados.
Ao ser colocado frente a frente com capítulos de sua vida é tomado por angustias e agonias. E isso vai fazendo com que o anjo caído afunde cada vez mais naquela lama, naquela sombra densa e sufocante.
Não vai demorar até que volte a querer castigar outros espíritos, vingar-se daqueles que estão a lhe fazer mal.
Aquele contexto só faz piorar a situação de Jhaver. Um espírito só pode ser ajudado pelos samaritanos quando deseja com sinceridade ser ajudado. Um socorrista não pode ajudar ninguém à força. Por enquanto, o arrependimento é o que predomina em Jhaver. Mas aquele bombardeio de informações destrutivas pode atrapalhar a concretização desse desejo.
Afinal, não basta arrepender-se. É preciso assumir essa chama e trabalhá-la com atitudes e pensamentos positivos. Para alguns, o que ele fez no hospital ao salvar Malena já lhe dignifica para receber socorro. Para muitos, ainda é preciso fazer muito mais.
Seu Klaus acredita na regeneração de Jhaver e pensa em resgatá-lo do Umbral antes mesmo de ser decretada qualquer decisão superior sobre o assunto. Mas o ex-castigador está preso em um nível tão baixo de vibração que não consegue ser percebido pelos samaritanos.
Desta forma, qualquer ajuda fica mais difícil. O Umbral tem vários níveis e é feito de labirintos, ilusões e armadilhas. Além disso, Jhaver deve estar vigiado por uma legião de espíritos dispostos a tudo para detê-lo entre eles. Corre a notícia que líderes umbralinos estão em guerra para ver quem fica com o prisioneiro.
Chefiados por seu Klaus, já há espíritos de luz disfarçados no Umbral, buscando informações sobre o paradeiro de Jhaver. Uma operação que demanda risco e tempo. O samaritano acredita que quanto antes resgatar o anjo negro das trevas mais chances terão de vencer as sombras.
Não se sabe o que a volta de Jhaver como castigador ou, até mesmo, à frente de um exército umbralino pode causar aos planos físico e astral. No entanto, para os samaritanos terem mais clareza do lugar em que ele está, será necessário que ele peça ajuda.
E Jhaver ainda não fez isso, tampouco esboçou qualquer sinal de que poderá fazê-lo um dia. Só um chamado de socorro poderá construir um fio de comunicação capaz de levarem equipes de resgate até ele. Caso contrário, poderá se perder no Umbral para sempre.
Mais do que destruir o anjo negro, os umbralinos querem que ele se torne um deles. Conhecem a força e o poder de destruição de Jhaver.
E isso é um risco para todos, independentemente de nível de evolução.
Será que o anjo castigador que jamais precisou de ninguém irá ter humildade suficiente para pedir socorro?
Ou será que ele vai simplesmente se revoltar voltando a ser o temido castigador de sempre?
Ou ainda será que ele vai liderar a revolta dos mundos inferiores?
Em se tratando de Jhaver, tudo é possível.
Observação do autor: Próximo capítulo: 20/7 (terça-feira)
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