13/07/2010 - Capítulo 37
O golpe finalDiante dos olhos de ágata de Malena, Sebastian ri, chora, treme, soluça, formiga, enfim, é alvejado por uma série de descargas emocionais. E é assim, atordoado, que segura na mão de sua bela adormecida há quase vinte dias e agradece a São Miguel. Mal sabe ele que naquele encontro de Jhaver com o arcanjo, o anjo castigador não recuou um milímetro sequer de sua posição. E mais, desafiou as ordens de um Deus, não menos castigador, e aceitou enfrentar as conseqüências.
Foi graças ao aviso de Jhaver que um levante de luz comandado por seu Klaus conseguiu deter a invasão dos umbralinos ao Hospital da Cura, protegendo o espírito de Malena e muitos outros. Como a investida foi grande, malfeitores conseguiram levar alguns espíritos em recuperação de volta às sombras. Mas se eles tivessem conseguido pegar Malena, Gastón e outros iluminados em recuperação, certamente o prejuízo seria muito maior.
Ao contrário de Miguel, quem desceu para arrastar os desencarnados que queriam matar Malena ainda no quarto de hospital foi Jhaver. Foi ele também quem convergiu uma gama de fluidos para adiantar o processo de cura da filha de Valentina. Foi ele quem castigou nas últimas semanas aqueles que concentram energias ruins contra a felicidade do casal, como os pais de Sebastian, Tita, Alicia, Hernandez, no plano físico, e uma série de integrantes do umbral, enfraquecendo-os e desviando seu foco.
Foi Jhaver quem também trabalhou para afastar os espíritos vampiros das proximidades de Micaela, tanto que ela tem tido uma conduta mais tranqüila nos últimos dias. Continua perturbada com os últimos acontecimentos, mas sem a revolta destrutiva que a consumia. Também andou soprando algumas orientações para Sebastian por meio de sonhos, já que sua comunicação com ele havia sido prejudicada pelo estado de coma de Malena, pela intempestividade de Micaela e pelo ódio de Valentina. Além disso, fez com que Tomas entendesse que o padrasto não tinha culpa de nada, nem mesmo da morte de seu irmão Diego.
Ao longo dessas centenas de anos como castigador, o anjo negro jamais demonstrou tal comportamento. Se espíritos tivessem coração o de Jhaver seria de pedra. Uma pedra que agora, por um motivo ainda desconhecido, volta a sangrar. Não foi fácil para ele. Mas, como das outras vezes, estava e está firme em seus propósitos. Parece saber o que faz. Ao menos, é isso o que transparece. Não foi à toa que enfrentou umbralinos, outros castigadores, um arcanjo e o próprio Deus. E mais: enfrentou a sua própria história.
E agora, por conta de tudo isso, o castigo parece ter virado contra o castigador. O clima no plano superior está bastante tenso. Os castigadores pedem a destituição do anjo castigador da ordem a qual ele chefia. Os planos celestiais, definitivamente, foram alterados com a recuperação de Malena. Os espíritos de luz se mantêm receosos em relação às atitudes de Jhaver.
Anjo castigador ou auxiliador? Anjo das sombras ou da luz? Anjo soldado ou independente? Quem é Jhaver?
Valentina acredita que tudo não passa de uma armação. Em sua análise, ele se faz de bondoso para arquitetar, com maestria, as últimas fiadas de sua teia de castigos. O que ela não consegue explicar é a razão dele ter deixado de aproveitar várias oportunidades nas quais poderia ter acabado com Sebastian de uma vez por todas. No entender da mãe de Malena, o anjo negro está com outros planos, usando o episódio desta castigação para disseminar a desarmonia entre os espíritos de luz, anjos e, assim, mexer com a ordem hierárquica que tem Deus no posto principal.
Na cabeça de dona Valentina, que ficou um tanto perturbada depois da morte de Gastón, do não nascimento de seu neto e da internação de Valentina, Jhaver é um novo Lúcifer, que se aproveita da proximidade com Deus e dos poderes de anjo para desafiar terra e céu no intuito de se apoderar de tudo. Entre os espíritas e espíritos, havia quem desse crédito a essa teoria, afinal Valentina merecia um voto de confiança, e quem, assim como Sebastian, achasse que ela já não falava mais coisa com coisa.
A recente reaproximação muda o rumo e distancia novamente aqueles dois. São cada vez mais escassas as palavras trocadas entre sogra e genro. O centro espírita Sementes da Luz se dividiu entre o apoio à mentora e a Sebastian. E como ela gosta de dizer que aquele centro é fruto do esforço de sua família, o promotor, novo naquele ambiente, foi obrigado a deixar de freqüentar o local.
Primeiro, foi expulso da igreja católica. Agora, do centro espírita.
A tão paciente e ponderada Valentina apoderou-se de uma cara feia, de palavras duras e atitudes pouco identificadas com seu passado. Jhaver até que tentou descer algumas vezes no corpo da médium, mas além de ser impedido por alguns feitos espirituais realizados por ela, o ódio que alimenta em relação ao anjo castigador a enfraquecia espiritualmente falando, fazendo com que perdesse grande parte de sua mediunidade.
No próprio centro, não consegue desenvolver suas atividades costumeiras. Está visivelmente fraca e abatida. Os integrantes mais antigos dizem que ela deve se afastar por um período, até se recompor. Mas ela não se conforma com tal caminho, dizendo que, por culpa da cabeça dura de Sebastian, está sendo castigada por Jhaver. Depois de sua filha, de seus netos, de seu amigo Gastón, chegara sua vez de sofrer nas mãos de um anjo dissimulado.
Amparada por estudos antigos, dizia que com aqueles feitos se cumpria uma profecia: “Os castigos de um anjo negro cairão sobre um casal iluminado, responsável por trazer ao mundo um novo pedaço de carne divino, traduzindo-se no rompimento de um selo capaz de fazer a escuridão dominar a luz”.
Ela não falava em outra coisa durante as reuniões do centro. Isso fez com que o número de freqüentadores diminuísse consideravelmente. Poucos os que se dispunham a receber um passe de suas mãos ou, até mesmo, um copo de água fluidificada. O fanatismo fazia com que os outros evitassem aquela senhora que já não conseguia mais se desprender do corpo físico para participar das atividades do plano superior. Deixou de freqüentar reuniões, de ouvir orientações, de se comunicar com os socorristas.
Se ela estivesse realmente correta em suas afirmações, Jhaver havia conseguido um feito e tanto: tirar dona Valentina de seu caminho.
Depois de uma conversa pesada entre Jhaver e Miguel, onde chicote e espada mediram forças, onde dois príncipes, o dos castigos e o das milícias celestes se enfrentaram, algo de estranho afetou o equilíbrio entre os mundos.
Como conseqüência dessa conversa, Malena abriu seus olhos de ágata diante dos olhos esperançosos de Sebastian. Com sua mão sobre a mão da mulher, o promotor fala em amores e saudades e ela se afasta, o empurra, o quer longe.
Ela não diz palavra alguma, mas seus batimentos cardíacos disparam, ele tenta beijá-la, ela se descontrola, ele quer contê-la, e quanto mais próximo dela, mais enlouquecida ela reage, ele grita que a ama e ela vai se machucando por dentro e por fora.
Sebastian toca a campainha, vai ao corredor, chama por socorro. Malena sofre uma parada cardíaca. Os médicos tentam reanimá-la, espíritos de luz dão as mãos, fazem uma corrente de oração.
Os desfibriladores se chocam contra o peito de Malena. O corpo estremece. Sebastian fica por ali, num canto, entre lágrimas e culpas. Afinal, foi ele quem motivou o desespero da mulher. Era um fato concreto capaz de fazê-lo se sentir culpado para sempre. Pior, ela morreria negando seu amor.
O coração dela vai se esvaindo até que uma linha reta no monitor mostra a ausência total de batimentos. Médicos e enfermeiros lamentam. O cordão de prata que une o corpo ao espírito começa a perder brilho, a desaparecer no ar.
Valentina sente arrepios ruins. Micaela sofre as mesmas dores da mãe. Tomas reza para seu anjo da guarda.
O médico responsável por aquela equipe balança a cabeça em sinal negativo, como que desistindo da paciente.
Depois de dias e dias de angústia e esperança, de ver os olhos de Malena se abrirem novamente e observar ela morrendo em razão de sua presença, Sebastian se sente o maior dos castigados. Pior, sente-se castigador.
Mesmo assim, suplica, arrependido de ter feito tantas pessoas sofrerem por seus castigos. Num choro doloso, deixa seu corpo escorregar até cair ao chão.
Valentina tinha razão. Jhaver havia dado o último bote. Sebastian, ao impedir sua sogra de fechar o cerco contra o castigador, deu condições para aquela punhalada final. De uma forma ou de outra, no plano físico ou superior, toda responsabilidade sobre aquela morte cairia sobre o promotor.
Será que o anjo negro apenas usou Sebastian para atingir Malena, que é um dos espíritos mais evoluidos encarnados atualmente?
Silêncio e dor.
Dali, do chão, o promotor não pode ver, mas, no meio de todos aqueles médicos e espíritos, ele é coberto por uma luz azulada, como se fosse amparado pelo manto de Nossa Senhora. Nessas horas, o filho recorre à mãe. Estão presentes representantes dos coros celestiais mais altos. Alguns para ajudar, outros para simplesmente acompanhar aquele processo. Diante de tais presenças, os umbralinos não ousam sequer se aproximar.
Franco Palácio, antepassado de Malena, veio pessoalmente para receber e conduzir aquele espírito durante a passagem.
É nesse cenário que, para surpresa de todos, chega Jhaver.
Pensando que ele, como um ceifador, veio buscar o espírito de Malena para lhe aplicar os devidos castigos no plano superior, como é de praxe em muitos casos, seu Klaus e outros iluminados formam uma barreira para impedir sua passagem.
Mas o anjo negro desceu com tal determinação e poder que afastou todos os socorristas num único golpe.
Um vento sem explicação entra naquele quarto, estourando vidros de janelas, batendo portas, fazendo tremer macas e armários. Lá fora, uma nuvem escura encobre o sol. Raios, trovões e uma chuva não prevista invadem Buenos Aires.
Jhaver avança sobre o corpo de Malena e abre suas asas sobre ela.
Ao contrário do que Sebastian poderia querer assistir, São Miguel não desembainha sua espada contra Jhaver. O castigador reina soberano naquele quarto.
Indo em direção ao promotor, Jhaver coloca sua mão sobre sua cabeça e, em meio a uma descarga luminosa e energética, imediatamente, cai de joelhos ao chão.
Está fraco. Pela primeira vez, os espíritos de luz, testemunham um Jhaver ajoelhado.
As asas imponentes e acinzentadas se esfarelam, como que despetaladas numa espécie de sopro. Com toda força, o vento varre aquelas penas e o dono delas.
E para a incompreensão de todos, os batimentos de Malena voltam a aparecer no monitor. Os médicos não acreditam. Festejam ainda sem saber o que aconteceu.
Jhaver desaparece do quarto. Seu Klaus vai atrás dele. As autoridades celestiais também deixam o local.
Ao som da chuva que continua a cair, agora de forma serena, Giulia comenta com Esteban, ainda assustada com tudo o que presenciou:
- Os castigos acabaram e, com eles, o maior de todos os castigadores.
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