06/07/2010 - Capítulo 35
A revolução dos castigadoresEm uma planície deserta, doze anjos vestidos com cores frias conversam num clima de animosidade. No centro daquele círculo, Jhaver comanda uma reunião com seus pares. A ordem dos castigadores está inteiramente presente com seus doze representantes. O mesmo número dos apóstolos de Cristo. No entanto, pela primeira vez em muitos anos, o senhor dos castigos vê sua liderança ameaçada.
Assim como outras hierarquias de anjos, os castigadores também ambicionam o posto mais alto da ordem que integram. Mais poder, mais status ou mais proximidade com Deus? Independentemente do discurso e da pretensão de cada um, eles pressionam, insuflam, fazem de um tudo para tentar ocupar a cadeira de Jhaver.
Os responsáveis pelo cumprimento dos limites divinos estão todos ali. De algum modo, todos ali possuem sede de justiça. Todos são castigadores porque, de uma forma ou de outra, fizeram por merecer durante suas vidas passadas e em seu período de desencarne. Todos utilizam o discurso do castigo como premissa para manter o amor. O amor temente a Deus.
Por tudo isso, a maioria não concorda com a postura adotada por Jhaver. Sempre muito racional, dessa vez o anjo negro deixou-se levar pelo envolvimento com o castigado, atrasando o castigo original e, assim, prejudicando o cumprimento dos planos celestiais.
Para muitos, esse comportamento não dignifica mais sua liderança. Alguém que tem pena ou misericórdia de um castigado não merece ser aclamado como “a mão esquerda de Deus”.
O grupo venceu o receio de ser punido pelo seu superior e se rebelou a ponto de rachar em dois: Há quem peça a saída imediata de Jhaver do posto de castigador e outros, mais extremistas, que ele seja expulso da ordem.
Diante dessa crise, o castigador Perrot, um dos mais afoitos para ocupar o posto de Jhaver, levanta-se numa linguagem que somente eles decodificam:
- Você fraquejou, Jhaver. E os castigadores não permitem fracos.
- Não tenho que lhe dar satisfações sobre os meus atos, Perrot. Aliás, não vejo razão para esse motim a não ser a gana de ambiciosos feito você em ocupar o meu lugar. Sebastian vem sendo castigado em todas as esferas. Sofreu perdas consideráveis na carreira, na família, no coração. Perdeu a credibilidade, o prestígio, o casamento, o filho, a igreja...
- É pouco. Você começou bem, mas perdeu a mão... Não pode mais nos liderar.
- Eu sei muito bem o que faço. Fui escolhido para essa missão e tenho a liberdade para desenvolver meu trabalho, determinando a intensidade, a freqüência e a duração do castigo.
- Confesse que desistiu do castigo? Recuou em matar Malena. Se não fosse eu ter interferido...
- Eu já desconfiava...
- Enquanto você perde tempo com pensamentos, eu executo.
- Com que autoridade você matou o filho de Malena, deixou-a em coma e antecipou a passagem de Gastón?
- Foi a sua fraqueza quem me deu espaço para agir.
- Você não poderia...
- Queria que eu deixasse você salvar todo mundo, como fez agora com Micaela. Estava quase a levando ao suicídio. Quer maior castigo que o suicídio?
- Não é preciso matá-la para castigar Sebastian. Micaela já cumpriu seu papel no castigo. Ela já tem que conviver com uma série de traumas e dramas. Deixe-a em paz ou eu...
- Eu não tenho medo de você, portanto, parece de me ameaçar. E que defesa acalorada é essa. Nunca se importou com o sofrimento humano. Ou será que o castigador se apaixonou pela menina?
- Você passou dos limites.
- Se não consegue castigar sequer um mortal, o que pode fazer comigo?
- E por que Gastón?
- Simples. Ele vinha trabalhando para Sebastian encontrar seu caminho espiritual. E isso poderia atrapalhar nossos planos para ele.
- Nossos planos? Nosso papel é fazer com que as pessoas se arrependam de seus erros e, de fato, encontrem a luz.
- Errado. Já há socorristas demais cuidando disso. Nossa tarefa é simplesmente castigar. É isso que Deus espera de nós.
- Eu não tenho tempo a perder com essas acusações. A reunião está encerrada.
- Querendo fugir?
- Além de eu não ser do tipo que foge, não há motivos para isso.
- Então prove sua liderança terminando agora mesmo com a castigação destinada a Sebastian.
Ao contrário de matar Malena, como queriam os presentes, Jhaver fecha a cara, grita e pune alguns rebeldes com a retirada de poderes e do próprio chicote. Tentando demonstrar seu poder, pega Perrot, um dos principais inquisidores e o chicoteia, a ponto dele reviver as lembranças de vidas passadas que lhe fizeram sofrer.
Afinal, antes de se tornar anjo, o espírito tem uma longa escalada evolutiva. É preciso trabalhar muito e exercer com justiça o livre arbítrio para alcançar à perfeição. São necessárias muitas vidas e experiências para se formar um anjo. No entanto, muitos se esquecem que não nasceram anjos.
Ao contrário de impor respeito, a atitude de Jhaver só faz causar mais brigas e desavenças no grupo, pois há quem continue defendendo Perrot. O anjo negro está isolado. Se nada for feito para mudar esse cenário ele não vai conseguir manter-se à frente daquele grupo.
Num leito do hospital, o corpo de Malena continua com sondas e tubos, monitorado por computadores e espíritos de luz. Em meio a outros protetores, Esteban e Clara, mentora espiritual de Malena, conversam:
- Eu ainda não tenho conhecimento suficiente para entender por que um espírito evoluído como ela tem que passar por essas coisas? Fiquei tão feliz com a união do meu neto com essa moça. Tinham tudo para ser tão felizes.
- Sempre temos erros a corrigir, provas a passar e caminhos tortuosos a percorrer na estrada da evolução.
- Mas Malena já é bastante evoluída, uma pessoa caridosa e de muita fé. Não merecia...
- Os espíritos evoluídos são aqueles que mais são colocados à prova. Tanto espíritos de luz quanto umbralinos querem testá-lo o tempo todo para ver se merecem a evolução.
- E por que ela está demorando a se recuperar?
- O tempo de Deus é algo difícil de compreender. Tudo depende da vontade Dele, dos planos que Ele guardou para ela. A princípio, ela teria que morrer deixando vivo um filho. No entanto, algo mudou. Ou ela não cumpriu sua missão ou alguém interferiu em seu destino.
- Alguém como Valentina?
- Valentina tem bastante poder, mas não teria condições de influenciar essa conjuntura.
- E quem teria?
A pergunta de Esteban fica sem resposta porque, nesse momento, umbralinos que já rondavam o local, conseguem, com a ajuda de Perrot e outros castigadores humilhados por Jhaver, ultrapassar a barreira energética que impedia, até então, espíritos de baixa vibração de se aproximarem de Malena.
Esteban e Clara se assustam a ponto de não terem reação. Os umbralinos avançam com suas deformações em direção ao corpo da filha de Valentina. Esteban tenta chamar ajuda enquanto Clara brilha forte tentando defender a ruptura do cordão energético que une o corpo ao espírito. Mas ela não tem força o suficiente para impedir, por muito tempo, aquela ofensiva.
A energia do hospital começa a falhar. Geradores queimam. Há um princípio de incêndio. Pudera, para tentarem cortar aquele cordão, os umbralinos estão dispostos a impedir o funcionamento dos aparelhos médicos que mantém a vida orgânica de Malena. Um deles tratou logo de se apoderar do corpo de uma enfermeira que entra no quarto com uma seringa contendo uma substância a paciente é alérgica. O medicamento transforma-se em veneno.
Os umbralinos já dominaram Esteban, que não conseguiu sequer chamar socorro, e estão quase vencendo Clara.
Felizmente, antes que acontecesse o pior, Jhaver aparece com asas envergadas e chicote em punho, expulsando dali todos os espíritos ruins.
A energia do hospital se normaliza e a enfermeira volta a si não entendendo o fato de estar ali com aquela seringa. Balança a cabeça, confere os batimentos de Malena e deixa o quarto. Bombeiros controlam o fogo e o equilíbrio parece ser restabelecido.
De tão forte a ação do castigador, até mesmo Esteban foi tragado pelo portal, retornando à colônia.
Clara tonteia, mas se mantém firme ao lado de Malena, em vigília ao seu cordão astral.
Para quem ainda precisava de uma prova que Jhaver tinha mudado sua postura em relação aquela castigação... Independentemente da razão de ter feito aquilo, sua situação como líder dos castigadores se complicou ainda mais. No entanto, ele não se arrepende e continua.
Chega a falar mentalmente com Clara, que o olha ressabiada, sobre a necessidade de se reforçar a segurança no Hospital da Cura, onde o espírito de Malena está sendo tratado. Avisa que umbralinos planejam invadir o local em poucas horas.
Enquanto muitos preferem acreditar que se trata de uma armadilha, ela tem suas razões para acreditar em Jhaver e avisa seu Klaus sobre a ofensiva que está por vir.
Ali mesmo naquele quarto de hospital, dois guardiões informam que o superior de Jhaver quer falar com ele. O superior? Sim, Deus. No entanto, um arcanjo teria o papel de fazer a ponte entre ele e o criador, já que um castigador, em razão de seu trabalho, não é totalmente puro para ser recebido pelo Todo-Poderoso.
Emoldurados por um horizonte lilás, entre lastros de escuridão e a luz, as asas brancas do arcanjo ficam frente a frente com as asas acinzentadas de Jhaver. A conversa é dura. Palavras fortes e secas reboliçam aquelas mentes. Esta idéia de amor e cânticos endereçada aos anjos é uma criação terrena que não condiz com a realidade.
Anjos são espíritos objetivos, determinadas em seus propósitos, distantes de qualquer sentimentalismo. Todos matam e se matam em nome de um Deus. Tanto que durante a conversa, um empunha uma lança e outro, um chicote.
Daquela conversa, que acontece sem o conhecimento de encarnados e desencarnados, pode ser deflagrado um novo e derradeiro apocalipse.
Observação do autor: Próximo capítulo: 8/7 (quinta-feira)
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