24/06/2010 - Capítulo 32
Perturbações e confissõesSerá que Jhaver é inocente? Difícil de acreditar. E se não foi ele, quem promoveu tamanha barbaridade? A morte brutal de um médium, a morte literal de um anjo, a morte figurada de sua mulher. Entre os feridos, o seu casamento, a sua relação com Micaela, a sua evolução espiritual, a sua imagem. Tudo está muito confuso dentro e fora da cabeça de Sebastian.
Mas por que um anjo castigador que não precisa dar satisfações aos seus castigados se preocuparia em dizer que não fez nada? Talvez isso faça parte do plano de castigação. Dizer que nada fez para continuar fazendo. É como a construção do estereótipo amoroso de Deus enquanto Ele próprio desconstrói uma série de criaturas que diz ter criado a sua semelhança.
E essa história de Diego estar ali, circulando pelo ambiente como se estivesse vivo? É muita informação para aquela mente perturbada assimilar. É mexer demais com os nervos, com capacidade de compreensão de qualquer um. O melhor seria fugir de tudo aquilo, mas como Sebastian conseguiria se esconder de si mesmo? O caminho não tem mais volta. Os castigos o empurraram até aquele nível de perturbação e propositalmente obstruíram todas as saídas.
Empalidecida e com olhos, lágrimas e olheiras propositalmente escondidos pela lente escura de um óculo, Valentina se aproxima e abraça Celeste e o genro. A filha do médium agradece as palavras de consolo e deixa os dois sozinhos. Pede desculpas por não ter conseguido ir ao velório do neto. Diz que os calmantes a derrubaram. Além do mais, está sem forças e confusa. Também não viria ao funeral de Gastón, mas Tomás insistiu. Queria ver e falar com o padrasto um assunto que deixou claro que só podia ser confiado a ele.
Sebastian conta o que o menino falou e Valentina se desespera:
- Aquele maldito ainda não está contente com o que fez? Agora quer encher a cabeça de Tomás. Eu não vou deixar que ele faça nada contra mais ninguém da minha família, nem que eu precise...
- Calma, ele só me mandou um recado.
- Eu não acredito que vai acreditar na inocência de Jhaver.
- Por acaso me ouviu dizer que acredito nisso? Muito pelo contrário. A morte de meu filho, atribuindo-me uma parcela da culpa, foi um golpe de mestre. Um daqueles umbralinos que se apoderou do corpo de Malena ameaçou matar meu filho. Em uma de nossas conversas, a senhora também levantou indícios de que isso poderia ocorrer. Sabia disso, não?
- Como lhe falei, fazemos e recebemos uma série de previsões. Mas ninguém me assegura que elas serão confirmadas. Além disso, tinha muita gente trabalhando para que elas não ocorressem.
- Elas? A senhora também sabia da morte de Gastón?
- De certa forma, fomos avisados.
- Fomos?
- Nosso amigo também tinha consciência do que poderia acontecer com ele. Por isso, insisti que ele ficasse no centro com você na noite passada. Mas não ouviram meu conselho.
- E o que aconteceu com a senhora, qual o motivo desse sono despropositado? Não viu Hernández com sua filha quando chegou em casa?
- Tão logo cheguei, encontrei tudo calmo. Falei com Malena, que estava bastante insegura em relação à gravidez. Confessou um mau-pressentimento que a incomodava muito. Também se disse bastante incomodada com as brigas que estavam acontecendo entre vocês. Pediu-me que tentasse afastar dela os espíritos da desconfiança. Ela, sempre tão decidida e serena, não se conformava com tanto medo e nervosismo.
- De fato, essa não foi a Malena que eu conheci.
- É difícil suportar um ataque de umbralinos como este que ela vem sofrendo. A todo o momento, sopram-lhe no ouvido coisas horríveis; plantam dúvidas em seus pensamentos; mexem com seu equilíbrio. A gravidez fez com que ela ficasse com o corpo aberto e o seu comportamento a afastou do centro espírita, fazendo com que ela não cumprisse suas obrigações e, assim, enfraquecesse espiritualmente falando.
- Reconheço a culpa. Mas eu estava mudando...
- Eu sei. Estava feliz e animada por isso. Tanto que sua evolução possibilitou que eu, Gastón e outros médiuns e espíritos de luz lutássemos contra essas previsões desastrosas que há um bom tempo tomamos conhecimento. Vínhamos otimistas em relação a sua mudança. Mas... Não é nada fácil lidar com Jhaver. Ele é impiedoso e pouco compreensível. Certamente, ele não levou em conta os avanços obtidos por você.
- Mas continue, a senhora conversava com Malena.
- Sim. Eu tentei reconfortá-la, dar-lhe forças. Desci e pedi para Tita preparar um chá calmante bem doce. Encontrei Alicia na sala. Disse que precisava conversar com ela assim que terminasse com Malena. Ela ainda provocou dizendo que já esperava pelo sermão, afinal eu nunca a defendi. Foi quando surgiu Micaela, deu-me um abraço e sentou-se ao lado da tia. Antes de subir, perguntei por Hernández. Disseram-me que ele havia fugido antes que a polícia e a ambulância chegassem, pois sabia que não teria chances de defesa, embora fosse inocente, diante da força de um promotor.
- Eu não acredito nisso. Insistem que fui eu quem a agarrou, quem empurrou Malena contra a parede, quem matou Gastón...
- Deixe-me continuar. Eu subi para o quarto e continuei conversando com minha filha. Se uma gravidez, por si só, já traz insegurança para uma mulher, calcule ficar grávida e ser alvejada por umbralinos e por um anjo castigador ao mesmo tempo? Ela chorou e se deitou em meu colo. Micaela trouxe a bandeja com duas xícaras de chá. Bebemos e continuamos a conversar mais um pouco. Porém, as palavras foram ficando mais espaçadas e baixas, até que eu não me lembro de mais nada, a não ser ter acordado no meu quarto, depois que tudo já tinha ocorrido. Ainda me recordo de um sonho estranho, como se eu tivesse assistido a cena envolvendo vocês em meio a um universo de sentidos.
- Como assim?
- De onde estava, senti a dor da faca transpassando o corpo de Gastón, senti o cheiro de enxofre que se instalou naquele quarto, senti a quentura do sangue de Malena, senti a criança em seu ventre brigando para não morrer, senti o desespero pulsando em seu peito, senti o barulho ensurdecedor da janela se quebrando contra o corpo de Hernández, senti a aflição de Micaela e de Tomás sem saber o que fazer,..., senti isso e muito mais sem que eu pudesse fazer nada. Era como se eu estivesse presa. Tentei acordar várias vezes, mas não consegui...
- Acha que os umbralinos a levaram durante o sono e a prenderam em algum lugar para que não interferisse?
- Não sei realmente se foram os umbralinos, afinal, castigar-lhe e fazer cumprir as vontades divinas não são, digamos, desejos apenas dos espíritos inferiores.
- Lembra-se de como saiu?
- Não. Mas parece que, durante esse pesadelo, vi um vulto bastante familiar. Só que devo estar enganada. Jamais vi essa pessoa em todos esses anos...
- Quem?
- Prefiro não dizer. Preciso reorganizar os meus pensamentos primeiro. Estou muito fragilizada com tudo isso. E é preciso ter cuidado com o que ouvidos e vemos. Afinal, tem muitos espíritos que, para nos iludir, se passam por outros.
- E Jhaver? O que vamos fazer?
- Estou com a cabeça muito cheia, mas lhe garanto que isso não vai ficar assim.
- Por que ele mataria Gastón? Só para atrapalhar os meus estudos?
- Não é só no céu, ou melhor, desencarnados, que existem anjos da guarda. Na Terra também existem pessoas destinadas a proteger outras. São espíritos evoluídos que encarnam com essa missão. Embora tivesse aquele jeito calado, Gastón vinha travando uma grande briga com Jhaver.
- E por que ninguém me contou nada?
- Certas coisas não se contam. É preciso ter a evolução e a sensibilidade necessárias para descobrir.
- Pena que nossa relação tenha durado tão pouco.
- Gastón tinha um papel bastante especial no que diz respeito a lhe ajudar evoluir e superar essa crise. Infelizmente, não deu tempo de você sequer conhecer a história de vida dele, saber o quanto ele já fez por muitas pessoas e, até mesmo, por você.
- E por que eu não o conheci antes? Ele tornou meu anjo da guarda terreno só agora?
- De forma alguma. Ele já lhe ajudou mentalmente e espiritualmente muitas vezes. Mas, como você sabe, para tudo existe o momento certo.
- Não vou perdoar Jhaver nunca por isso.
- Jhaver não precisa de perdão. Certas criaturas celestiais estão acima dessas regras, gozam de privilégios, no mínimo, polêmicos.
- Mas eu me sinto culpado por todos esses horrores. Afinal, fui eu quem trouxe Jhaver para perto de Gastón, Malena...
- Jhaver abusou, prejudicou gente demais. Ele não podia ter feito o que fez.
Sem condições de ficar ali, Valentina pede para ir ao hospital. Diz que precisa ficar perto da filha. Pretende impedir que Jhaver ou outros espíritos malignos se aproximem no intuito de fazê-la mal. Sebastian avisa que passou por lá e que Micaela e Alicia o destrataram. Ela pede que ele se mantenha calmo e promete lhe avisar assim que tiver notícias.
Sebastian acompanha a sogra até o carro, conversa um pouco com o motorista e volta às proximidades do caixão. Não se cansa de pedir desculpas aos familiares.
Eis então que Romina, uma senhora de cabelos avermelhados e quilos e quilos a mais, encarregada da limpeza do centro, conduz o promotor para um lugar reservado. Diz que é para ele não se sentir culpado, que isso atrai coisas ruins. Ao contrário, deve se sentir honrado, pois permitiu que Gastón cumprisse sua missão aqui na Terra.
Sebastian diz que queria realmente acreditar que o médium está bem. Romina lhe ampara, dizendo que no momento da passagem um espírito amigo veio buscá-lo. Ele é bastante querido por tudo o que fez. Agora, está no Hospital da Cura se recuperando do choque de uma morte violenta, porém, em breve, ele dará continuidade a sua missão de ajudar os outros.
Ela coloca a mão sobre o peito do promotor e diz que não há razão para se martirizar pela morte da criança. Informa que o espírito que reencarnaria como seu filho está muito triste, afinal há um adiamento de sua evolução, mas que o perdoava pela decisão tomada. Tal espírito não o perdoaria se ele matasse Malena, afinal, tinha muitas pendências a resgatar com ela.
- E quem é esse espírito? Eu o conheço?
Olhando nos olhos de Sebastian, Romina responde:
- Diego.
- Mas... Então o que Tomás me disse... Como pode... Eu não sei...
- Acalme-se, ele estava aqui. Tomás o viu, chegou a brincar com ele.
- Então ele não me odeia por eu tê-lo impedido de reencarnar?
- Não. É normal que fique triste diante da frustração. Mas ele lhe perdoa. Além do mais, sabe que um dia, de um jeito ou de outro, irá voltar para dar continuidade aos propósitos de Deus. Por enquanto, continuará seus estudos no plano celestial.
- E ele não disse nada para mim, um recado, um gesto...
- A única coisa que você precisa saber agora é que ele lhe perdoou e está bem. Quando puder, reze por ele e por todos aqueles que podem lhe ajudar. Agora, pare de se auto-castigar. Afinal, você já tem o seu próprio castigador.
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