03/06/2010 - Capítulo 26
Estado de dúvida- Se sou inocente, Jhaver, por que prosseguir com tal castigação?
- Porque há algo de muito errado nessa história.
- Você mesmo admitiu que eu não possuo vibrações, energias ou sinais que me tornem culpado.
- Quando fechei minha posição sobre o seu castigo, suas vibrações lhe condenavam sim.
- E como explica essa mudança?
- Eis o que tento descobrir em minhas incursões aqui. Primeiro pensei que foram seus protetores espirituais, sob o comando de sua sogra, que influenciaram sua aura.
- Mas aura não é um privilégio de Deus, de Jesus, de Nossa Senhora e de alguns santos? As pinturas sacras sempre trazem aquela luz forte sobre a cabeça deles.
- De fato, os espíritos elevados irradiam muita luz. Mas todos têm uma espécie de contorno energético. A aura é o resultado da soma de três círculos: o do corpo, formado pelas vibrações físicas; o perispiritual, que é uma camada mais espessa que a anterior; e o espiritual, que é a projeção da energia de nosso espírito.
- Você é sempre tão técnico e metódico assim?
- Não gosto de interrupções. Já faço muito em lhe explicar certas coisas. Continuando o meu raciocínio, o desenvolvimento espiritual e a prática de boas atitudes influenciam a aura: quanto mais positiva e equilibrada for a pessoa, mais largas e brilhantes são as camadas luminosas que a circundam.
- E...
- E a sua aura que praticamente inexistia quando determinei sua castigação, possuindo inclusive uma coloração acinzentada e riscos indicando mal oculto, agora brilha num tom bastante positivo.
- Mas se não foi Valentina quem fez isso para me ajudar...
- Penso que alguém que pode ter feito o processo inverso.
- Fazer com que eu parecesse culpado para que você pudesse me condenar mais facilmente?
- Exato.
- E isso é possível? Aliás, é possível alguém lhe enganar dessa forma. Você não é tão poderoso, o chefe supremo dos castigadores e coisa e tal?
- Percebe o tamanho da minha intriga?
- Então você não é infalível?
- Na verdade, deixei me envolver demais nessa história. Isso pode ter sido um erro. Geralmente só instruo os outros castigadores na execução dos castigos. Mas você não é um caso comum. Durante muito tempo me preparei para tratar diretamente de sua castigação com a impessoalidade necessária. No entanto, não consigo agir friamente.
- Como assim?
- Uma parte de mim diz que você é culpado. Outra, inocente.
- Ótimo. O estado de dúvida é motivo suficiente para parar os castigos.
- Calma. À parte de todas essas acusações que fiz há pouco existe outra que eu ainda não comentei. E é ela quem me dá certeza de sua culpa e da necessidade dos castigos.
- O que é?
- Não posso dizer.
- Mas como eu vou me defender de algo que desconheço.
- Lamento informar, mas não existe defesa para esta acusação. O julgamento já foi finalizado.
- Quem me julgou? O que fiz de tão grave nesta vida?
- Eu disse que foi nessa vida?
- Eu não me conformo com essa história de eu ter que pagar por outras vidas.
- Tudo depende do acordo que fez ao reencarnar.
- Acordo?
- Não posso lhe revelar certas coisas até ter certeza de sua culpabilidade.
- Quanto segredo.
- Pelo menos você está em dúvida quanto ao meu castigo. Isso já é alguma coisa.
- Embora eu seja um anjo castigador, sou justo.
- Isso quer dizer...
- Isso quer dizer que enquanto tudo não for devidamente esclarecido o meu plano de castigos para você será interrompido. Só que cuidado: os umbralinos não vão se afastar só porque interrompi temporariamente sua castigação.
Nesse momento, a porta do quarto se abre e Micaela entra com um bolo em uma bandeja enfeitada. Diz, toda feliz e envergonhada, que foi ela quem fez aquela iguaria. Por ter acabado de sair do forno, o cheiro daquela massa de farinha com nozes invade o quarto.
Ao abraçar a mãe, completando o abraço com um beijo carinhoso de bom-dia, estranha o perfume. Malena comenta que trocou de essência. Preferiu uma mais forte e marcante. Esclarecida a estranheza, olha para o padrasto e faz um mea-culpa pelo seu comportamento nas últimas semanas.
Diz que está confusa, com muitas dúvidas, mas que queria viver em paz. No entanto, ao mesmo tempo em que está boa sente uma angústia, algo extremamente ruim, e começa a pensar coisas desagradáveis. Muito do que fala não quer falar, muito do que sente não quer sentir. Além das sensações emocionais, sente dores físicas e mal-estares. Confessa, chorando, que já pensou em se matar. Chega a ter medo de si mesma. Ela se expõe:
- Hoje acordei disposta a vir falar tudo isso, fiz esse bolo, trouxe até aqui, mas nessa hora fui invadida por um mau-humor, por uma vontade de jogar esse prato contra o rosto de Sebastian, e chorar e gritar. Não agüento mais isso.
Malena mantém os olhos fixos num canto do quarto. Já Sebastian, que até pouco tempo atrás estava sendo julgado por Jhaver, vê-se agora na condição de amparar sua filha, ajudando sua esposa na tarefa de fortalecer e proteger a família. De coração aberto, diz que também passa por um momento difícil, que se excedeu em muitas coisas, mas que está repensando suas atitudes na tentativa de acertar e ser um pai e um amigo melhor para ela e seu irmão.
Avisa que Micaela pode contar com ele em todos os instantes e que não vai deixar nada de ruim acontecer. Ela se desarma e o abraça em lágrimas. Malena se junta a eles:
- Estamos passando por um período de tormentas. A vida de todos aqui está bastante difícil. No entanto, temos de nos unir para enfrentar esses e outros problemas que possam surgir. Vá ao centro espírita com sua avó mais vezes, filha. Você precisa elevar seu pensamento. Não se deixe dominar por essas angústias, aflições, negatividades. A depressão, o comportamento agressivo, o desejo de suicídio só vão atrair mais coisas ruins e lhe afastar dos propósitos de Deus. Não desanime. Estamos juntos.
Entre abraços e pedaços de bolo, um clima de conforto e alegria reaparece naquela casa. Quando a filha sai, Sebastian, motivado pelo que aconteceu, busca um beijo na boca de Malena. Mas é empurrado.
- Beijos não fazem parte do castigo.
- Já voltou Jhaver? Pensei que estava livre de você.
- Quem lhe disse que eu fui?
- Era você quem estava aqui o tempo todo?
- Precisa ficar mais atento. Até mesmo Micaela desconfiou que eu não era sua mãe, estranhando o perfume no corpo de Malena.
- Uma hora você me acusa e ameaça, em outra diz palavras bonitas a Micaela. O que quer afinal?
- Neste instante quero lhe fazer um alerta: redobre a atenção com Micaela. Creio que não deseja que ela pague por seus erros.
- Mas que erros? Não tinha dito que eu sou inocente?
- Você me ouviu dizer isso? Afirmei que há algo de errado acontecendo no processo de seus castigos e vou descobrir o que é. Afinal, tenho certeza de o que fez em vidas passadas é bastante grave. E nesta agora há muitas dúvidas sobre sua conduta.
- E por que eu tenho que acreditar em você. Lembro que admitiu ter influenciado Micaela para me atingir. Pode ser anjo, mas não é de confiança.
- Cuidado com as palavras. Não se esqueça de que está sob investigação. Eu influenciei Micaela em algumas coisas, como a ler aquele texto na Igreja, mas jamais tive a intenção de prejudicá-la. Eu tentei lhe ajudar por meio dela. Você que, dono de si, não conseguiu entender o recado. E deixe de pensar só em seu umbigo. Miacela corre perigo.
- Agora eu tenho certeza de que causar sofrimento é sua especialidade. Pare de querer me amedrontar!
- Veja se consegue entender: os castigos foram direcionados a você, mas podem atingir todos aqueles que lhe rodeiam. Não se esqueça de que esse mundo é frágil, espiritualmente falando, e espíritos ruins se aproveitam disso para prejudicar encarnados pelos mais diversos motivos. Malena, Valentina, Tomás, Miacela correm pelas relações e proximidade que têm com você. Uns estão mais preparados para enfrentar esses ataques, outros não. Sua mulher está grávida, com o corpo aberto e sua filha está sendo vítima de vampirismo.
- Quer que eu acredite em vampiros também?
- Não me refiro aos homens-morcegos que saem à noite em busca de sangue e sim aos espíritos que visitam os encarnados para sugar suas energias. Toda vez que uma pessoa, encarnada ou não, se aproxima de outra ocorre uma troca de forças. Ou nunca se sentiu fraco, com um mal-estar inexplicável, ao encontrar certas pessoas ou de estar em alguns lugares? Normalmente as vítimas se encontram em algum estágio de desequilíbrio. As conseqüências são incalculáveis, indo da depressão ao suicídio.
- Isso explica o comportamento de Micaela.
- E o seu também, quando fraqueja e se entrega a essas energias ruins.
- Será?
- Minutos atrás quando ela confessou o desejo de jogar aquele bolo em sua cara havia um desses vampiros aqui. Mentalmente eu ordenei que ele se retirasse caso não quisesse sofrer maiores retaliações.
- Então quer dizer que ele pode voltar?
- Sim. Ele e outros. Geralmente não andam sozinhos, mas em bando.
- E o que faço para ajudá-la?
- Basta cumprir corretamente seu papel de pai, auxiliando-a para que ela possa se sentir compreendida, amada e pronta para enfrentar essas energias ruins. O medo é um imã poderoso no que se refere à atração desses espíritos.
- Não seria mais simples vocês os mandar parar como fez agora. Não é você o chefe dos umbralinos?
- Estou a ponto de perder a paciência com você. Não sei como Malena e Valentina conseguem lhe suportar. Eu não sou umbralino, mas um anjo. Um anjo castigador. Sou um servo de Deus trabalhando no resgate daqueles que se perdem dos planos divinos por meio de castigos.
- Um anjo que trouxe um monte de umbralinos...
- Eu apenas lhe marquei e isso cria uma corrente de energias e vibrações indicando seu atual estado de castigado. Isto é necessário para que espíritos superiores lhe observem durante o seu período de provação. Contudo, essa marca energética atiça o apetite de espíritos ruins dispostos a atrapalhar o seu desenvolvimento espiritual.
- Já que vai repensar o castigo, poderia tirar a marca do chicote das minhas costas, por favor?
- Será mesmo que ouvi um “por favor”? Que evolução!
- Tira logo essa marca, por favor, se quiser fico de joelhos.
- Lamento, mas nunca comandei um único castigo que fosse refutado.
Observação do autor: Próximo capítulo dia 8 de junho (terça-feira). Até lá!
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