Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
01/06/2010 - Capítulo 25

Segue o julgamento

O promotor, agora na condição de réu, é envolvido por suores e arrepios frios. A cabeça ameaça doer. Os olhos ardem. Uma tosse forçada, como que um pigarro inconveniente, surge como sinal de estresse. O corpo se contrai, a respiração fica difícil e o coração dispara. É acometido por uma vontade irresistível de se beliscar para saber se aquilo tudo é real. Mas não tem coragem. Assim como tem vontade de ir lavar o rosto, de tomar um drinque, de sair correndo, de perguntar o que aconteceu com Malena, com Valentina, com dona Soledade e seu Esteban. Mas falta coragem. Afinal, isso tudo pode demonstrar fraqueza. E tudo o que ele não quer é se mostrar fraco diante de seu anjo castigador.

Em meio a um clima marcado pela tensão, a conversa entre Sebastian e Jhaver prossegue:

- Já que estou em uma espécie de julgamento tenho o direito de saber quem me acusa?

- O nome dos acusados é segredo. Afinal, não sei o que uma criatura como você pode ser capaz de fazer contra eles.

- Maldito. Você é um escroto. Devia aparecer aqui para me enfrentar cara a cara. Mas é um covarde. Esconde-se no corpo de uma mulher. Ou melhor, da minha mulher.

- Não sabe o medo que suas ameaças me causam. Esqueceu-se de que estou aqui a lhe dar uma chance? Pode se sentir um privilegiado de viver esse momento, mesmo não me vendo. Portanto, se começar com insultos, eu vou embora dando por cumprida essa etapa. E você não irá gostar nem um pouco do meu veredicto.

Sebastian tenta se acalmar. Sabe que está em desvantagem.

- Você é acusado de desrespeitar sua mãe e seu pai, tratando-os de forma agressiva e com descaso?

- Isso não passa de um jogo praticado por aqueles dois.

- Você alguma vez já os agrediu física e verbalmente?

- Mas é que eles...

- Responda sim ou não, apenas:

- Sim.

- Deus quis que, depois dele, honrássemos nossos pais. Os filhos devem a seus pais respeito, gratidão, justa obediência e ajuda.

- Mas meus pais não merecem nada disso.

- Passando para a próxima acusação, você é acusado de cometer adultério.

- Malena já havia se separado fisicamente de Hernandez quando a conheci.

- Isso é relativo já que ela havia se casado na igreja com ele, recebido as bênçãos de Deus, e quando vocês se conheceram e começaram a se relacionar eles ainda viviam sobre o mesmo teto.

- Mas tudo ocorreu de forma respeitosa.

- Tanto que Diego morreu depois de presenciar um beijo “respeitoso” do casal.

- Mas Hernández não quis se separar pacificamente, inclusive, foi preciso ajuizar um mandado de separação de corpos. Ficou o tempo todo jogando as crianças contra a mãe, fazendo-se de vítima.

- Estou aqui para julgar as suas ações e não as de terceiros. Já que não teve paciência, agora é acusado de cobiçar a mulher do próximo.

- Mas Malena já não era mais mulher de Hernández quando a conheci. Não viviam bem, tinham uma série de problemas. O amor, se é que isso um dia existiu entre eles, havia acabado quando a encontrei.

- E foi só Malena a mulher do próximo que você cobiçou?

- Eu a amo, sou fiel a ela e ponto final.

- Saiba que muitos refutam essa sua afirmação.

- Não quero mais falar sobre isso. Tenho a minha consciência tranqüila a respeito desse assunto.

- Mas eu quero continuar nesse tema. Você se orgulha de ser um batizado, não?

- Claro.

- Todo batizado é chamado a levar uma vida casta. Adultério e a união livre são ofensas graves à dignidade do casamento.

- Mas até mesmo monsenhor Mariano nos abençoou.

- E você acha que só porque uma pessoa é padre ele está acima do bem e do mal, que tudo o que faz é correto e por isso vai ganhar o reino dos céus?

- Então o monsenhor...

- Os outros são os outros. Você é acusado de levantar falso testemunho contra algumas pessoas, como sua cunhada Alicia.

- Neste caso não há nada de falso em meus testemunhos.

- Você é acusado de tomar o santo nome de Deus em vão.

- Como assim?

- Há todo momento tenta banalizar o divino.

- Acusação infundada. Eu tenho fé o suficiente para fazer isso.

- A blasfêmia consiste em usar o nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos santos de maneira injuriosa. E você blasfema quando não confia em Deus, não blasfema?

- Confesso que às vezes eu fraquejo, mas é momentâneo.

- Vi várias vezes você jurando por Deus que não fez isso e aquilo. Sabia que esse tipo de juramento é pecado?

- Mas é modo de falar...

- Pois deveria colocar freio em sua língua, em suas atitudes e em seus pensamentos se não quisesse ser castigado. Responda-me: Você ama Deus sobre todas as coisas?

- É óbvio.

- Mas muitas vezes, também parece óbvio que ama mais seu trabalho, sua mulher ou mesmo São Miguel do que Deus.

- Aiai...

- “Aiai” é resposta que se apresente? No domingo e em outros dias santos, os fiéis têm a obrigação de participar da missa, evitando as atividades e negócios. Você muitas vezes trocou isso pelo trabalho ou pelo lazer, não foi?

- Precisei trabalhar em alguns desses dias sim. Para mim pecado é o ócio e não o trabalho. Já para você...

- Quem faz as regras não sou eu. Elas já estavam prontas quando me fizeram castigador.

Sebastian respira fundo.

- Você é acusado de furtar.

- Poupe-me. Eu nunca roubei um alfinete em toda a vida.

- Esqueça as coisas materiais. A acusação que pesa sobre você é a de ter roubado a vida de outra pessoa, de Hernandez. Você assume que roubou, além de sua mulher, seus filhos e a casa onde ele morava com Malena?

- Eu quis levá-los para a minha residência, que continua fechada, no entanto, ela achou melhor permanecer aqui temendo mudanças ainda mais drásticas na vida das crianças. Mas esta casa é de Malena, foi erguida graças ao trabalho dela. E os filhos continuam sendo dele. Não roubei paternidade de ninguém. O problema é que Hernández nunca quis assumir quaisquer responsabilidades sobre a criação dos meninos.

- Outra acusação se refere a sua cobiça às coisas alheias.
- Lamento informar, mas eu não sou invejoso. Não cobiço roupas, carros, negócios dos outros...
- A lei não é só essa. O desapego das riquezas é necessário para alcançar à glória. E você ainda é muito apegado as coisas mundanas. Sua ambição lhe impede de evoluir.
- Eu...
- Espere. Poupe seus argumentos para se defender de algo ainda mais grave. A pior de todas as faltas é a acusação de tentar ocupar o lugar de Deus.

- Eu não quero ser Deus...

- Não?! E por que acusa, julga e condena pessoas a todo instante? A cada sessão cria um clima de “Juízo Final”. Acha que Deus se sente confortável com alguém tentando roubar seu posto?

- A acusação não procede já que essas atitudes fazem parte da minha profissão.

- O que não procede é você ter cometido tantos pecados nesta vida.

- Eu sou inocente.

- Que decepção. Achei que fosse mais criativo.

- Acabaram as acusações?

- Quer que eu entre na esfera dos sete pecados capitais? Ira, gula, luxúria...

- No fundo, você sabe que eu sou inocente.

- Errado. Eu não sei de nada. Sou completamente imparcial.

- Mas deve ter alguma forma de saber.

- Realmente, há maneiras de saber tudo o que você já fez de bom e de ruim. Não há como esconder nada de Deus.

- Você tem inúmeros recursos, enfim, um poderio tremendo nas mãos para me acusar e eu só as minhas palavras para me defender.

- Mais do que palavras, o que conta para mim é a sua vibração. Há quem produza vibrações negativas e quem produza vibrações positivas. É isso que atrai pessoas encarnadas e desencarnadas. Antes de qualquer julgamento, são as próprias vibrações que você produz que lhe conduzem para planos superiores, intermediários ou inferiores.

- Então, depois de todas essas acusações eu devo concluir que pertenço ao pior dos mundos.

- É isso que me encabula. Embora muita coisa pese contra você, suas vibrações são boas. Fiz questão de vir aqui e lhe interrogar para tentar descobrir se Valentina ou alguém tinha maquiado suas vibrações. Porém, não há tentativa alguma de me enganar.

- Então eu sou inocente, vai acabar com os castigos?

- Não é bem assim. Mas não entendo como depois dessas acusações todas e de seu histórico de ações você é desprovido de manchas.

- Mancha. Que história é essa agora?

- Os umbralinos têm o espírito todo manchado e quando encarnam continuam com tais manchas. Assassinos, estupradores, ladrões... todos esses recebem manchas pretas no corpo.

- E eu tenho essas manchas?

- Curiosamente não.

- Deus é amor.

- Quem ama, castiga.

Observação do autor: Próximo capítulo dia 3 (quinta-feira)


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar