13/05/2010 - Capítulo 20
Divisor de águasDepois de tanto negar, relutar, maldizer, o católico apostólico romano assumido e praticante, batizado, catequizado, crismado, Sebastian Alvear, está de olhos fechados recebendo fluidos magnéticos de um médium e outros ainda mais puros trazidos, dos planos superiores do universo, por espíritos benfeitores que estão ali para assisti-lo.
Sob a imposição das mãos de Gastón, o promotor recebe seu primeiro passe. No entanto, a concretização dessa cena não foi tão fácil como se pode pensar.
Depois de ficar por longos minutos dentro do carro observando o lugar e criando coragem, Sebastian finalmente decide entrar no centro espírita. Porém, a cada passo dado à frente pensa diversas vezes em recuar. No entanto, sabe que não tem para onde voltar. Suas pontes foram queimadas, suas portas foram fechadas.
Aquele é o seu destino. Ao menos, o único destino disponível.
Sente medo, vergonha, indignação por estar num lugar que sempre desprezou e desacreditou. Os umbralinos que o rodeiam insistem para que ele volte. A intenção é fazê-lo se sentir um perfeito idiota em recorrer a este tipo de ajuda. Afinal, qualquer progressão espiritual, ou mesmo a vontade de buscá-la, reduz as chances de um encarnado ser facilmente influenciado por espíritos de baixa vibração.
Do outro lado, há um grupo de espíritos iluminados querendo que Sebastian evolua. É preciso que ele aceite a necessidade de ajuda espiritual para que seu espírito possa ser trabalhado. O promotor não consegue visualizar, mas luz e sombra disputam seu caminho naquele jardim de rosas.
Com muito custo, entra na sala e visualiza um grupo de pessoas que não conhece. É a oportunidade que precisa para sair, já que sua sogra não está ali.
Antes que pudesse fugir, uma mulher de rosto arredondado o aborda sutilmente dizendo que Gastón o espera na sala de passes. Um Sebastian está acuado, assustado e ciente de que a situação saiu completamente de suas mãos aceita ir até o médium.
Em um ambiente à meia-luz, Gastón está vestido de tons pastéis, sentado em uma cadeira de madeira e apoiado com os cotovelos em uma mesa simples, coberta por uma tolha branca. Sem olhar para Sebastian, comenta:
- Chegou bem no horário. Alguns espíritos benfeitores já estão aqui para lhe ajudar.
- Do que está falando?
- Do passe que você irá receber em instantes.
- Passe? Eu não vou receber passe algum. Imagina. Eu, um católico, um devoto fervoroso de São Miguel, recebendo passe. Eu não vou trair a minha Igreja.
- Em muitos trechos da Bíblia, que é sagrada para sua igreja, vemos Jesus e seus discípulos imporem as mãos sobre os necessitados, rogando a Deus que os curassem. Jesus fez muito uso dessa prática e disse que, se quiséssemos, poderíamos fazer o mesmo. Acha absurdo Jesus lhe abençoar?
- Então você vai me dar uma espécie de bênção?
- Não. No Espiritismo nós não fazemos uso de bênção porque entendemos que só Deus pode abençoar. Na verdade, durante o passe pedimos a bênção de Deus. E, naturalmente, dos Espíritos superiores, de Jesus, dos Espíritos que podem nos abençoar.
- Concluindo, o passe, como eu sempre soube, é algo inferior à benção de um sacerdote?
- De maneira alguma. A palavra passe vem do verbo passar. É a passagem de energias vitais e espirituais de uma pessoa para outra. É um meio de uma pessoa ser ajudada a passar por uma situação de desconforto físico ou espiritual. É como se fosse uma transfusão sanguínea onde a energia corresponde ao sangue.
- Digamos que eu aceite receber este passe, o que eu vou receber e sentir, concretamente falando?
- Paz. Você irá sentir paz. Os traumas emocionais e psicológicos enfrentados por você nos últimos tempos provocaram um desequilíbrio muito grande de suas condições fluídicas perispirituais. Sua aura mudou de cor, seu campo vibratório está alterado, seus pensamentos e sentimentos estão perturbados. Ao receber fluidos e vibrações por meio do passe você vai iniciar um caminho que tende ao equilíbrio, à harmonia, à paz interior.
- Esse discurso é bonito e confuso. Mas o que eu quero saber é se ao tomar um passe estarei livre de Jhaver.
- Um passe não irá lhe libertar da marca do castigo. Mas lhe dará melhores condições de enfrentar o anjo castigador. E mais, demonstrará aos espíritos superiores que você tem buscado a evolução. Ao trabalhar sua progressão espiritual você, sem dúvida alguma, concentrará mais energia positiva e atrairá a companhia de mais benfeitores. Enfim, sua luta contra Jhaver, que um dia você vai entender que é uma luta contra você mesmo, ganhará um importante reforço.
- Mas Jhaver não irá ficar furioso com isso, aumentando o castigo?
- Pelo contrário, Jhaver vai ficar feliz. O castigo divino não tem interesse no sofrimento, mas na mudança positiva que este sofrimento pode causar. Você mudar por si próprio tem um peso muito maior do que um espírito iluminado pedir para ele não lhe castigar.
- Então ele vai desistir do castigo depois desse passe?
- Não é assim tão simples. Há todo um processo em torno da sua castigação. Jhaver não desiste do castigo, você tem que conquistar sua própria salvação.
- Você complica demais. Vamos ser práticos: eu só tenho que aceitar tomar o passe.
- Você já aceitou não só tomar o passe, mas ser ajudado e buscar sua evolução. Veio aqui por isso. Sua presença indica uma resistência que já não existe mais. No fundo, você sabe disso. Essas perguntas abusivas, esse comportamento austero, a tentativa de se esconder são apenas uma tentativa em vão de protelar o óbvio – sua mudança. Caso contrário, eu não estaria aqui lhe esperando ao lado desses espíritos que tanto nos ajudam. Se você não estivesse pronto, não haveria passe algum. Afinal, não estamos brincando de espiritismo. Eu me preparei muito para esse momento. E, da sua forma, você também. Olhe para dentro de você, escute-se e sinta o que realmente quer.
Sebastian, como que deixando cair aquela armadura que insistiu em carregar por muitos anos, silencia e chora uma espécie de pranto de rendição, de entrega.
- Chora meu filho. Deixa seu corpo nu de qualquer preconceito, de qualquer autodefesa, de qualquer interferência negativa e sinta a presença dos espíritos de luz. Chora como já chorou tantas vezes pedindo amparo diante de representações de São Miguel, de Nossa Senhora, da Cruz Sagrada e do Santíssimo Sacramento. No fundo, todos têm uma só missão – nos amparar em nossa caminhada rumo a Deus.
O promotor soluça em lágrimas.
- Chora como que limpando sua alma, renovando seu coração. Eu sei que você está preparado. Valentina só não está aqui, fisicamente falando, porque achamos que a presença dela poderia lhe inibir. Mas saiba que todos nós estamos muito contentes com esse momento. É hora de deixar para trás a era da revolta e começar a do entendimento, da compreensão, da resignação.
Nesse momento, Gastón sai da sala e deixa Sebastian sozinho por alguns momentos. Em seguida, traz um copo com água.
- O que eu tenho em minhas mãos não é água comum. É água fluidificada. Está magnetizada com fluidos mais puros, digamos, curadores. Valentina, na condição de mentora deste centro, é a responsável pela fluidificação dessa água com a ajuda de espíritos desencarnados. Ela tem efeito de medicamento para mazelas psíquicas e físicas. Vai ajudar em seu equilíbrio. Tome para se acalmar e para se curar.
Sem demonstrar qualquer oposição, Sebastian toma aquela água como que meditando, como que querendo interagir com aquele mundo novo que se descortina diante de seus sentidos.
Em seguida, o médium pede para que ele se levante com tranquilidade, pois irá começar a ministrar o passe. Naquele clima de silêncio e luz ambiente baixa, o promotor fecha os olhos. Gastón estende suas mãos sobre Sebastian passando-as várias vezes sobre seu corpo, numa espécie de transfusão de energias vitais e espirituais.
Além das energias vitais, magnéticas, oriundas de Gastón, há energias espirituais vindas dos desencarnados que colaboram com esse momento tanto automaticamente quanto atendendo a prece feita pelo médium.
Há vinte anos Gastón aplica passes. É um médium passista com grande capacidade de absorção e armazenamento dessas energias que emanam do fluido cósmico universal. Além disso, é um estudioso da doutrina espírita. Aos poucos, acabou se tornando uma referência naquele centro e um dos grandes lutadores para que ele continuasse aberto, inclusive, nos períodos de crise. Mas isso é tema para outro capítulo dessa história.
Por hora, vale dizer que mesmo não enxergando nenhum espírito benfeitor ou os tais fluidos que saem das mãos de Gastón, Sebastian respira mais aliviado. É como se algo dentro dele tivesse mudado. E não foi só pelo passe, mas pela decisão de estar ali.
Uma decisão vista tanto no mundo terreno quanto espiritual como um divisor de águas.
Observação do autor: Próximo capítulo: dia 18/5 (terça-feira). Até lá!
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