Daniel Campos

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13/04/2010 - Capítulo 11

Só o começo

Em uma sala ampla e despojada, dois homens, sob um véu de luz e silêncio, discutem um futuro que, à primeira vista, não deveria lhes pertencer.

Sentado na cabeceira de uma imensa e antiga mesa de madeira, aquele homem alto e negro que apareceu de forma discreta nos capítulos anteriores recebe a visita de um senhor de corpo e gestos tímidos, vestido de forma bastante simples.

- Por que faz isso com o meu Sebastian?

Depois de inúmeros rodeios, o senhor que pediu àquela reunião consegue fazer tal questionamento. No entanto, é extremamente temeroso no tom de sua fala, gaguejando as palavras e mantendo os olhares baixos, com medo de encarar os olhos fulminantes daquele homem que tinha uma postura altiva, típica de sua superioridade.

- Faz-se necessário.

A resposta é curta e áspera como as feições daquele homem que está louco para acabar com aquela conversa nem bem nascida. Mas aquele senhorzinho retruca:

- Já não acha o bastante?

- Não, é só o começo. Ele tem de pagar por tudo o que fez...

- E qual é seu pecado? Amar a esposa, querer ter uma família, ser religioso, ter se tornado um ótimo profissional?

- Você já parou para se perguntar como ele quer e faz essas coisas?

- Eu reconheço que ele tem o gênio forte, é intempestivo...

- Será que só essas expressões justificam seu comportamento?

Aquele senhor de cabelos grisalhos é tomado por um silêncio aflito.

- Só hoje o neto que o senhor tanto defende deu um soco em um homem, bebeu escondido, destratou a enteada, pensou em matar o sobrinho, pensou mal da empregada, perdeu a paciência com o enteado, duvidou da esposa, levantou falso contra a sogra, colocou a cunhada para fora de casa, maldisse em pensamento um padre e uma madre, agiu com violência para cima da mulher que diz que ama, abusou de seu poder para julgar erroneamente uma pessoa...

- Mas...

- Mas, o quê? O senhor não quer que eu esmiúce aqui cada infração aos mandamentos divinos cometidos por ele, cada pecado capital que ele se fartou...

- Mas ele já foi afastado do cargo, teve sua imagem manchada, perdeu sua primeira causa como promotor. Sebastian já está atormentado o suficiente.

- Quem sabe se é ou não o suficiente sou eu.

- Parece que você gosta desse sofrimento.

- Não estou aqui para gostar ou desgostar de nada

- Mas...

- Esperei muito tempo por esse momento. E o senhor sabe disso. Por muitas vezes tentaram me tirar do caminho dele. Só que agora não tem mais volta. Dessa vez não sou eu quem me ofereci para castigá-lo, fui chamado...

- A mulher dele está grávida...

- Por pouco tempo.

- Tenha misericórdia...

- Estou apenas cumprindo o meu papel.

- Vou falar com o Franco...

- Ninguém mudará a minha opinião. É preciso cumprir as leis. Ou já se esqueceu que o céu das nuvens de algodão, dos anjos tocando harpas, do paraíso perdido, não passa de um complexo sistema de regras.

- Ele não vai agüentar a perda do filho...

- Ele não é um homem de fé? Pois que vá se consolar aos pés do poderoso Miguel...

- Cuidado...

- Acha mesmo que eu tenho medo de um arcanjo?

- E quanto a Malena?

- Ela também vai pagar por estar com Sebastian. O castigo vai respingar nela. Afinal, é acusada de adultério. Mas com o tempo ela se recupera.

- Você sabe que não está mexendo com pessoas comuns. Há muitas forças envolvendo esse casal. Valentina não vai permitir que nada de ruim aconteça com a filha dela...

- O senhor não cansa de tentar me amedrontar? Miguel, Franco, Valentina... Eu não temo nada nem ninguém. Senão não seria quem sou e, não estaria onde estou e não faria o que faço.

- Isso é perigoso demais. Você viu que já há uma legião de espíritos sedentos para destruir esse casamento. Hoje mesmo um deles se manifestou, chegou a falar horrores com Sebastian...

- Fui eu quem abriu o caminho quando coloquei a marca nele. É, portanto, natural que, em se tratando de um casal especial, como o senhor disse, essas coisas aconteçam...

- Até quando vai esse sofrimento?

- Até o castigo ser concluído.

- Quer matá-lo?

- Se preciso for... Se os castigos não forem o bastante em vida, posso castigá-lo morto.

Nessa hora o velho se enfurece e toma coragem para aumentar o tom de voz, que vai crescendo a cada fala. Mas de nada isso adianta.

- Deixa-os juntos pelo menos para eles tentarem reconstruir a família, terem outro filho.

- Não!

- Mas eles se amam.

- Eu não acredito em amor, tampouco me sensibilizo com isso.

- Esqueci que você não tem coração...

- Acha que pode me ofender com sentimentalismo barato?

- Pois saiba que eu não concordo com isso e vou tentar lhe impedir a qualquer custo...

- Pensa que eu não sei que já estão tentando me atrapalhar. Hoje mesmo era para o castigo ter ido mais longe. Vocês impediram. Mas não vou agüentar essa brincadeira por muito tempo.

- Eu vou proteger Sebastian e Malena.

- Irá reunir mais quantos para conseguir isso? Você não é o primeiro que me procura para pedir pelo Sebastian e eu sei que não será o último. Mas eu não me importo. Não vou ceder. Aliás, você me conhece o suficiente para saber que sua visita é em vão.

- O que eu posso fazer para mudar isso?

- Absolutamente nada.

- Então se prepare...

- Ao invés de tentar retaliar, tome cuidado para não sofrer retaliação. Afinal, o senhor está atrapalhando a vontade de Deus. Vir cobrar explicações em se tratando de um ente querido é um direito seu, até entendo, mas tentar impedir meu trabalho já é um pouco demais. O senhor não pode comigo. E sabe disso. Afinal, não sou eu quem terá de enfrentar. Mas o sistema. É assim desde que o mundo é mundo.

Inconformado, o senhor sai da sala pisando firme e o homem negro continua no mesmo lugar batendo os dedos contra a mesa. Pensando alto, diz:

- Para evitar problemas, vou apressar as coisas.

Observação do autor: Próximo capítulo na quinta-feira (15/4). Até lá!


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