13/04/2010 - Capítulo 11
Só o começoEm uma sala ampla e despojada, dois homens, sob um véu de luz e silêncio, discutem um futuro que, à primeira vista, não deveria lhes pertencer.
Sentado na cabeceira de uma imensa e antiga mesa de madeira, aquele homem alto e negro que apareceu de forma discreta nos capítulos anteriores recebe a visita de um senhor de corpo e gestos tímidos, vestido de forma bastante simples.
- Por que faz isso com o meu Sebastian?
Depois de inúmeros rodeios, o senhor que pediu àquela reunião consegue fazer tal questionamento. No entanto, é extremamente temeroso no tom de sua fala, gaguejando as palavras e mantendo os olhares baixos, com medo de encarar os olhos fulminantes daquele homem que tinha uma postura altiva, típica de sua superioridade.
- Faz-se necessário.
A resposta é curta e áspera como as feições daquele homem que está louco para acabar com aquela conversa nem bem nascida. Mas aquele senhorzinho retruca:
- Já não acha o bastante?
- Não, é só o começo. Ele tem de pagar por tudo o que fez...
- E qual é seu pecado? Amar a esposa, querer ter uma família, ser religioso, ter se tornado um ótimo profissional?
- Você já parou para se perguntar como ele quer e faz essas coisas?
- Eu reconheço que ele tem o gênio forte, é intempestivo...
- Será que só essas expressões justificam seu comportamento?
Aquele senhor de cabelos grisalhos é tomado por um silêncio aflito.
- Só hoje o neto que o senhor tanto defende deu um soco em um homem, bebeu escondido, destratou a enteada, pensou em matar o sobrinho, pensou mal da empregada, perdeu a paciência com o enteado, duvidou da esposa, levantou falso contra a sogra, colocou a cunhada para fora de casa, maldisse em pensamento um padre e uma madre, agiu com violência para cima da mulher que diz que ama, abusou de seu poder para julgar erroneamente uma pessoa...
- Mas...
- Mas, o quê? O senhor não quer que eu esmiúce aqui cada infração aos mandamentos divinos cometidos por ele, cada pecado capital que ele se fartou...
- Mas ele já foi afastado do cargo, teve sua imagem manchada, perdeu sua primeira causa como promotor. Sebastian já está atormentado o suficiente.
- Quem sabe se é ou não o suficiente sou eu.
- Parece que você gosta desse sofrimento.
- Não estou aqui para gostar ou desgostar de nada
- Mas...
- Esperei muito tempo por esse momento. E o senhor sabe disso. Por muitas vezes tentaram me tirar do caminho dele. Só que agora não tem mais volta. Dessa vez não sou eu quem me ofereci para castigá-lo, fui chamado...
- A mulher dele está grávida...
- Por pouco tempo.
- Tenha misericórdia...
- Estou apenas cumprindo o meu papel.
- Vou falar com o Franco...
- Ninguém mudará a minha opinião. É preciso cumprir as leis. Ou já se esqueceu que o céu das nuvens de algodão, dos anjos tocando harpas, do paraíso perdido, não passa de um complexo sistema de regras.
- Ele não vai agüentar a perda do filho...
- Ele não é um homem de fé? Pois que vá se consolar aos pés do poderoso Miguel...
- Cuidado...
- Acha mesmo que eu tenho medo de um arcanjo?
- E quanto a Malena?
- Ela também vai pagar por estar com Sebastian. O castigo vai respingar nela. Afinal, é acusada de adultério. Mas com o tempo ela se recupera.
- Você sabe que não está mexendo com pessoas comuns. Há muitas forças envolvendo esse casal. Valentina não vai permitir que nada de ruim aconteça com a filha dela...
- O senhor não cansa de tentar me amedrontar? Miguel, Franco, Valentina... Eu não temo nada nem ninguém. Senão não seria quem sou e, não estaria onde estou e não faria o que faço.
- Isso é perigoso demais. Você viu que já há uma legião de espíritos sedentos para destruir esse casamento. Hoje mesmo um deles se manifestou, chegou a falar horrores com Sebastian...
- Fui eu quem abriu o caminho quando coloquei a marca nele. É, portanto, natural que, em se tratando de um casal especial, como o senhor disse, essas coisas aconteçam...
- Até quando vai esse sofrimento?
- Até o castigo ser concluído.
- Quer matá-lo?
- Se preciso for... Se os castigos não forem o bastante em vida, posso castigá-lo morto.
Nessa hora o velho se enfurece e toma coragem para aumentar o tom de voz, que vai crescendo a cada fala. Mas de nada isso adianta.
- Deixa-os juntos pelo menos para eles tentarem reconstruir a família, terem outro filho.
- Não!
- Mas eles se amam.
- Eu não acredito em amor, tampouco me sensibilizo com isso.
- Esqueci que você não tem coração...
- Acha que pode me ofender com sentimentalismo barato?
- Pois saiba que eu não concordo com isso e vou tentar lhe impedir a qualquer custo...
- Pensa que eu não sei que já estão tentando me atrapalhar. Hoje mesmo era para o castigo ter ido mais longe. Vocês impediram. Mas não vou agüentar essa brincadeira por muito tempo.
- Eu vou proteger Sebastian e Malena.
- Irá reunir mais quantos para conseguir isso? Você não é o primeiro que me procura para pedir pelo Sebastian e eu sei que não será o último. Mas eu não me importo. Não vou ceder. Aliás, você me conhece o suficiente para saber que sua visita é em vão.
- O que eu posso fazer para mudar isso?
- Absolutamente nada.
- Então se prepare...
- Ao invés de tentar retaliar, tome cuidado para não sofrer retaliação. Afinal, o senhor está atrapalhando a vontade de Deus. Vir cobrar explicações em se tratando de um ente querido é um direito seu, até entendo, mas tentar impedir meu trabalho já é um pouco demais. O senhor não pode comigo. E sabe disso. Afinal, não sou eu quem terá de enfrentar. Mas o sistema. É assim desde que o mundo é mundo.
Inconformado, o senhor sai da sala pisando firme e o homem negro continua no mesmo lugar batendo os dedos contra a mesa. Pensando alto, diz:
- Para evitar problemas, vou apressar as coisas.
Observação do autor: Próximo capítulo na quinta-feira (15/4). Até lá!
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