12/08/2008 - Cajus e esparadrapos
Cheiro de esparadrapo, de remédio, de enxofre, de sangue, de dor. Convenhamos, hospital tem um cheiro nada agradável. O aroma, que chega a causar arrepios ao despertar lembranças dolorosas em nossa memória, perfuma toda a redondeza dessas casas medicinais. Digo tudo isso, mas só entro em hospital em último caso. Contudo, costumava passar frequentemente em frente a um dos maiores deles aqui em Brasília. Afinal, era caminho para se chegar ao Santuário Dom Bosco, que guarda a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora. Mas em razão do cheiro de remédio e dor beirar o insuportável, fui obrigado a mudar de rota.
Depois que alterei o traçado da minha caminhada, passo agora em frente à banca de um camelô que tem cheirosos cajus. O hospital ficou perdido entre construções e árvores. No entanto, não há como esquecer as fragrâncias da aflição, do desespero, do descaso, da pobreza, da revolta, da incompreensão, do sofrimento, do adeus que se misturam e invadem as nossas narinas sem pedir licença. Fico a pensar como médicos e enfermeiras conseguem se livrar desse perfume do medo depois que deixam as enfermarias.
O mais curioso é que o hospital, em si, não tem cheiro de vida, tampouco de morte. Cheira um estágio intermediário da existência. Ali, o coração ainda bate. Porém, as feridas estão abertas. Ali, o destino é incerto e a fé, mais que necessária. Se o purgatório tiver cheiro creio eu que não será muito diferente deste que exala ao redor do hospital. Diante das incertezas do nosso caminho, só me resta pedir que a vida tenha para sempre o cheiro dos cajus carnudos e maduros.
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