Café com Cony
Desde muito cedo adquiri o hábito saudável de tomar café da manhã com Carlos Heitor Cony. O jornaleiro, antes mesmo de o galo gargarejar com as primeiras gotas de sol, atirava aquele amontoado de notícias contra a minha janela. Não sei como, mas ele tinha pré-disposição em me acordar. Acredito que ele, o jornaleiro, só tinha ânimo para sair de casa, lá pelas três horas da madrugada, e pedalar a bicicleta, que o deixava com as pernas suspensas, só pelo íntimo prazer de me acordar.
Podia estar sonhando no mais perfeito paraíso, mas o menino travesso insistia em me trazer para a realidade. Tinha medo de que minha alma, que ficava vagando de mundo em mundo, se assustasse com o barulho, nada sinfônico, produzido pelo beijo forçado entre manchetes do dia com as frestas da minha veneziana, e não mais encontrasse o caminho para voltar ao meu corpo. Cheguei a espiar o menino pelo portão, acordando mais cedo que ele, e pude notar o sorriso em seu rosto ao arremessar o jornal contra o meu sono.
Mal sabia ele que, mesmo com toda aquela ?arte?, entregava-me uma crônica fresquinha do Cony. E, ao som daquela explosão quase que nuclear, eu levantava num só pulo, caminhando contra o resto da escuridão, para pegar o jornal. Ao lado de uma garrafa de café forte e doce, como gosta meu paladar, um pão com manteiga batida no tacho e uns pedaços de bolo de fubá com erva-doce, degustava todo o sabor de um cotidiano construído a melhor moda de Carlos Heitor Cony. Notícias da realidade e da ficção, do passado e do futuro, da rotina e do esplêndido se casavam tão bem naquelas linhas a ponto de meu café ficar, no mais completo significado, literário. Café literário, hummmm....
Naquelas linhas, um jornalismo digestível, que fazia muito bem para o corpo e para a mente. E na sexta-feira, para o deleite do meu paladar, o texto era ainda maior ocupando meia página no caderno de Cultura do tal jornal. O tempo passou e até hoje procuro aquele menino que atirava, com todo gosto, o jornal contra minha janela. Queria agradecê-lo, pedir para repetir aquele ritual, convidá-lo para tomar café. No entanto, ele sumiu com suas pedaladas. Nunca perguntei o seu nome, mas tenho certeza de que se chamava destino.
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