Daniel Campos

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29/01/2011 - Brevidade, o pássaro que não nasceu

De repente, terra e céu se encontram numa queda. À margem da estradinha, entre o lago horizonte e sobrados de concreto, um pássaro. Uma ave pequenina, recém-caída do ninho, sob um sol de suores e tonturas. Solitária, abandonada, perdida. Nenhum sinal da mãe, do pai ou do restante da ninhada. Ali, só havia aquele bocadinho de vida pulsando cinza se equilibrando em uma galha rasteira, com o bico aberto de fome, ou de calor ou de pranto.

Antes da chegada de gatos, crianças e carros distraídos, era preciso resgatá-la. Um drible pra lá, uma corrida pra cá, um mergulho acolá. Pronto. Em pouco tempo a ave já está dentro do carro tomando água mineral. Ao chegar a sua nova casa, ao menos na qual passaria os seus primeiros dias, fica instalada provisoriamente em um ninho de periquito. A comida também é improvisada: alpiste, painço, quirela, angu de fubá, minhoca. Tudo dado diretamente em sua garganta, com muita calma e delicadeza.

A princípio, Biloca, foi esse o nome que recebeu também de forma temporária, era uma fêmea de pintassilgo. Mas não estava descartada a hipótese de ser uma pintagol. E se levássemos em conta o fato de que quando tentava fugir o fazia aos pulos poderia ser da família dos pardais. Seja o que fosse, depois dos cuidados necessários voltaria ao campo. Por hora ganha uma gaiola de madeira novinha. Ali, empoleirva-se e cochilava com a cabeça debaixo da asa.

Uma tarde. Uma noite. Um dia. E quando uma nova noite desceu, depois dos pássaros todos se calarem, a morte podou, de forma prematura, as asas de Biloca. Não deu tempo de saber como ficaria sua penugem e seu canto. Só tivemos a certeza de que seria tanto melhor se fosse batizada, mesmo que de forma póstuma, como Brevidade, afinal, o que mais dizer de um pássaro que não teve tempo sequer para voar. É como se tivesse morrido sem ter nascido.


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