Daniel Campos

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10/08/2013 - Bailarinas não morrem, não é?

Como se fosse bailarina de caixinha de música, ela rodou, rodou, rodou até cair. Só que bailarinas, não são como gatas, que caem em pé. E então, sem gritos ou nada que desabonasse o espetáculo, ela caiu nos braços do asfalto abrasivo. As sapatilhas foram aos céus e voltaram ao chão, ficando sem reação. A bailarina desmaiou, gritavam alguns, enquanto outros riam debochados e sem o mínimo de misericórdia. Por sorte, não passava carro por ali, só uma moto e dois ciclistas, que embora esticassem olhares como se fosse língua de sogra, não pararam para acudir aquela menina, moça, mulher que parou de dançar como se, de repente, tivesse acabado sua corda.

Os mais velhos, um ex-namorado, a melhor amiga e até um médico chegaram a dizer que ela estava exagerando nos ensaios, que se esforçava demais e comia de menos. Passava horas nas aulas da academia de balé, seja aprendendo ou ensinando todos aqueles passos de nomes afrancesados. E depois, rodopiava no quarto, na cozinha, debaixo do chuveiro, no quintal, na rua. Não tinha vergonha em rodar. Aliás, era o que mais gostava e se orgulhava de fazer. Derretia-se toda quando alguém a chamava de bailarina como se esse fosse o seu nome próprio. E não dava ouvido a ninguém quando o assunto era balé, rodava de dia, de noite, de madrugada como se essa fosse sua sina.

De repente, da bailarina, que parecia ser feita de brisa tamanho sua leveza, começou a escorrer sangue. Uma poça começou a se formar ao redor de sua cabeça, que ainda rodava nos olhos dos que se aglomeravam por ali. Porém, era só questão de tempo para ela retomar sua coreografia. Afinal, ela já havia levado tantas quedas da vida, que nunca lhe fora tão cor-de-rosa como suas roupas, e sempre se levantava imbuída de paixão. Desta vez não haveria de ser diferente. Logo, logo, sopraria um vento-canção e ela se reergueria, mesmo que com o collant manchado de sangue, e começaria a rodar, rodar, rodar, enfeitiçando, como cupido, os casais. Afinal, bailarinas não morrem, não é?


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