Daniel Campos

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10/02/2008 - Até amanhã

Oi. Olá. Bom dia. Boa tarde. Boa noite. Como vai você? Salve. Tudo bem? Quanto tempo?! Tchau. Prazer. Adeus. Boa sorte! Sucesso! Paz e bem. Axé. Quais as novas? Deus te abençoe. A gente se vê. Volte sempre. Até breve. Até já. Até logo. Até amanhã. (...) Não se assuste, leitor. A abertura deste texto é um pequeno exemplo de como o nosso cotidiano é formado por um emaranhado de saudações.

Diferente das pedras e das plantas, que são mais discretas, os animais se saúdam se lambendo, se cheirando, se esbarrando, emitindo sons. Que o diga nossos apertos de mão, beijos no rosto, abraços, tapinhas nas costas, inclinação da coluna. Definitivamente, o corpo fala. Mas o gestual fica para uma próxima conversa. Para não desviar a rota deste texto, vou me nortear por algumas das saudações que estiveram ou estão na ponta da língua da humanidade. O Avé Cesar, saudando o imperador romano Júlio César, e o Hi Hitler, referente ao líder nazista, são exemplos de saudações que marcaram uma época. Já o amém, dos cristãos, que significa assim seja, rompeu os limites dos templos e do tempo.

Assim como a história e a geografia, a religião é um universo rico em saudações. De um extremo ao outro, referimo-nos a mãe de Jesus - Ave Maria, Salve Rainha - e a uma das mais populares orixás do candomblé (Iemanjá) - O doiá! - por meio de saudações. Você já disse Shalom Aleichem para alguém? Muito usada no oriente, essa é a expressão hebraica para dizer a paz esteja sobre você. Um dos mais belos cumprimentos é encontrado na língua havaiana. O Aloha significa compartilhar (alo) com alegria (oha) da energia da vida (ha) no momento presente (alo). O famoso Hare Krishna além de ser o nome do movimento religioso surgido na Índia, é uma saudação a Krishna, um ser divino.

Deuses à parte, elego como mais forte dos cumprimentos o até amanhã. Esta saudação simboliza uma esperança viva na certeza do recomeço, do reencontro, do renascimento. Até amanhã é um caminho, um diálogo, um destino aberto. Traduz tão bem o movimento da vida que, por natureza, é mutante, dinâmica, evolutiva. Até amanhã, por si só, é uma continuidade, uma segunda chance, a nova fase de um ciclo, o próximo passo a ser dado.

Certa vez, escutei da boca de uma canção um até para sempre. Não sei de onde veio, nem para onde foi aquela saudação. Sei que fui atingido em cheio. Aquilo nunca saiu da minha cabeça. Ficou a dúvida se aquele até para sempre seria o final ou o começo de uma nova era. Durante várias noites perdi o sono tentando decifrar tal enígma. Cheguei a conclusão que o até para sempre é de uma bigamia explícita, que trai o próprio tempo. Sendo assim, não pode ser usado a qualquer hora, tampouco por motivo qualquer.

O que mais se aproxima da intesidade do até para sempre é o até amanhã. Ouvir isso é ter a certeza de que o amanhã vai existir, de que você estará neste amanhã e ainda que você será bem vindo neste amanhã. E o melhor é que amanhã é logo amanhã de manhã, ou seja, um futuro mais que presente. Até amanhã é um remédio que cura mal de desespero, uma chama que brilha no fundo da alma, um relógio que nos convida a girar em seus ponteiros. Até amanhã. Para os depressivos, a possibilidade de um novo amanhecer. Até amanhã. Para os inseguros, a certeza de que amanhã a vida continua. Até amanhã. Para os apaixonados, o alívio de que os caminhos do amor continuarão a ser percorridos no dia seguinte.

Nessa época em que vários livros tentam desvendar o segredo disso e daquilo, você já parou para pensar no universo que está por trás de um singelo até amanhã? Quem é a pessoa que mais vezes lhe deseja até amanhã? De quem você gostaria de escutar um até amanhã? Em seus sonhos, quem lhe sopra até amanhã? De onde seu até amanhã vem mais profundo? Respondidas essas perguntas, faça uma lista das pessoas que lhe desejam até amanhã. Some quantas dessas saudações você recebe por mês, por semana, por dia. Depois, coloque essa pescaria de até amanhã em um lado de uma balança imaginária e do outro, coloque a exata quantidade de até amanhã que você tem distribuido.

Infelizmente, a maioria das saudações que recebemos ou falamos passa despercebida por nossas bocas e ouvidos. Desejamos um bom dia e recebemos outro de forma automática. Hoje, andamos como máquinas. Ninguém se cumprimenta mais. Todos estão com pressa. Todos passam rapidamente, superficialmente, envaidecidamente. Todos têm medo. Medo de ser assaltado, medo de se atrasar, medo de se expor, medo de amar, medo de se envolver. Receber ou fazer, com sentimento, alguns desses cumprimentos passou a ser um acontecimento raro. Se na pré-história os homens se cumprimentavam com grunhidos, com clavas e tacapes, hoje mal se entreolham.

Por tudo isso, estou feliz em poder plantar um pé de até amanhã nesta nossa ilha de prosa e poesia. Amanhã vamos nos reencontrar aqui, neste mundo mágico, e saborear os frutos de um até amanhã. Você sabe o gosto de um até amanhã? Aqui, mais do que um desejo, o até amanhã é um convite para mergulharmos em um novo texto. Diante desta página de domingo que se divide entre as sobras do carnaval, a explosão das quaresmeiras e a profecia de um novo tempo, ecoo, em palavras e sentimentos, até amanhã.


Comentários

13/04/2016, por Júlio Mosqueira:

Que maravilha esse texto. "Um pé de até amanhã". Maravilhoso de ler.


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