Daniel Campos

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22/04/2010 - Alice no Brasil das maravilhas

Assim como Alice, cada um de nós tem um mundo maravilhoso. Um mundo onde nos refugiamos. O da personagem da literatura é habitado por um coelho preocupado com o relógio, por um gato listrado de rosa, por um chapeleiro maluco e por outras criaturas fantásticas. Com seres mais ou menos mágicos, cada um tem um lugar encantado para subverter a ordem, para quebrar as regras, para burlar a realidade. Um lugar onde o sonho não só é permitido como vivido por inteiro.

Para Pedro Álvares Cabral e outros portugueses esse mundo se chamava Brasil. Um mundo de terras infinitas, de comidas exóticas, de nativas nuas. Quando os ventos e as correntes marítimas do destino desviaram as naus do grande navegador, Pedro viu nascer diante de seus olhos um continente perdido entre a fantasia e a realidade. Pensou estar sonhando. Chegou a perguntar a Pero Vaz de Caminha se aquilo tudo, de fato, existia ou se ele havia caído, assim como Alice, nos confins da toca de um coelho apressado.

Há mais de quinhentos anos o Brasil ainda é uma terra fantasiosa. Para muitos, a mistura farta de futebol, praia e mulher existente aqui é um convite ao paraíso. Isso sem falar da beleza natural que ocorre de forma generosa ao longo desse território. O mundo de Alice é uma espécie de carnaval permanente, onde tudo pode acontecer. A corrupção, a violência e a desigualdade social são apenas conseqüências da produção desenfreada de maravilhas. Afinal, toda fantasia tem efeitos colaterais.

Alice no Brasil das maravilhas tem que fugir de bala perdida, sobreviver de salário mínimo, pegar ônibus lotado, rezar para seu barraco não ser engolido pela enchente, se contentar com programas assistenciais, entender que tudo termina em pizza nas casas políticas, esperar horas na fila do posto de saúde para saber que não terá atendimento médico... É uma pena que quinhentos anos depois os efeitos colaterais tenham dominado as maravilhas.


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