Daniel Campos

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15/11/2010 - A vida da mulher amada

Ó Deus, ó meu Deus, repara em mim; por que me abandonaste? (Mat. 27, 46)

A vida da mulher amada é um jogo de espelhos, reflexos de glamour e sofrimento. Ao contrário de um conto de fada, o pranto de quem é consumida por uma sina maior do que seus sonhos e projetos: amar incondicionalmente. Amar além de dúvidas, de prazeres, de egoísmos num ritmo crescente. Amar independentemente de hora e espaço, de conteúdo e de traço, de caminho e de passo. Amar como coisa, como coisa amada. Amar como meio e também como fim, sendo instrumento permanente desse amor.

Além de receber cafés da manhã na cama, a mulher amada precisa fazer calos nas mãos mexendo panelas para cultivar esse amor. Precisa se machucar para nascer flor no meio do roseiral e sujar para florescer no lodo. Precisa ser contemplada e combativa, lutando com unhas e dentes pela manutenção e redimensionamento desse amor. Precisa ter fé em si própria. Precisa ser cega e enxergar além do que dizem os olhos. Precisa fazer do coração um escudo e do corpo uma flecha de cupido, ferindo e ferindo-se de amor a todo e qualquer momento.

A mulher amada é elevada, agraciada, enaltecida, mas também vive uma vida bandida, dividida entre a concretude e o abstrato de seu ser. Afinal, a mulher amada é a personificação de um sentimento maior e, por que não, absoluto. A mulher amada é a expectativa, a esperança, a realização. Durante toda sua existência ela é deveras cobrada, pelos outros e por si própria sem um mísero da compaixão. Afinal, o principal algoz da mulher amada é ela mesma, pois faz de seu corpo, pele e alma, a cada ato, a cruz de seu amor.

Muitos querem viver o milagre da mulher amada. Mas são raros aqueles que aceitam ser crucificados em sua cruz. Para a maioria, morrer ou jorrar sangue em nome de um sentimento é apenas força de expressão, coisa de poeta. O que poucos sabem é que ao nascer, a mulher amada está condenada a morrer por amor. É o auge do sentimento, a prova de todas as provas, o sentido de sua existência. É como a cigarra que canta cada vez mais alto no intuito de explodir de silêncio. É como se Deus, ao menos o Deus do amor, deixasse-a propositalmente.

Ó Theos, ó Theos mu, proshes moi; hina ti enkatelipes me?


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