10/11/2010 - A última noite
Se eu não me levantar da cama no horário de sempre, por favor, não me acorde não. Aliás, não faça qualquer movimento brusco senão aquele gerado por um beijo. Um beijo último. Não me venha com cobertas ou outras indumentárias. Não haverá mais tempo para sentir frio. Também não me traga copos d’água, remédios ou travesseiros. Se sede, dor ou caprichos surgirem pode ter certeza de que não serão mais de ordem física. Entretanto, mesmo se o meu coração não pulsar em sua mão, como de costume, saiba que o derradeiro pulso foi dedicado inteiramente ao amor maior que pode haver entre dois seres.
Se eu não abrir meus olhos, espreguiçar braços e pernas e trouxer seu bom dia num beijo antes de lhe fazer o café, por favor, deixe-me em jejum. Para onde quer que eu vá, levarei seus temperos, seus cheiros, suas cores no que restar de mim. Porque há de restar alguma coisa além desse corpo estático que irá dormir eternamente diante de suas vistas se assim quiser. Mas sei que não há de querer o eternamente. Sendo assim, peço que, antes de me entregar a terra, vele-me por algumas horas de forma solitária nessa cama em foi palco de tantos momentos de ternura. Momentos que vão além da fria carne já em putrefação.
Se eu ignorar o despertador, o canto dos galos, o sol e os seus chamados mais aflitos, por favor, perdoe-me. Não houve tempo para despedidas formais. Contudo, isso não é desculpa, pois se houvesse esse tempo de nada adiantaria: faltar-me-ia coragem para encenar o adeus. O nosso adeus. Mesmo sem meios para proferir uma confissão, esteja certa de que eu parti da maneira como sempre quis: em seus braços, sentindo o calor de seu corpo, seu perfume de sereno. Parti velando o seu sono, como em tantas noites, no desejo de que velasse para sempre os meus sonhos.
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