Daniel Campos

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14/02/2010 - A última corsária

Depois do último gole de rum, ela saiu por aí pirateando por entre ilhas desérticas e tubarões esfomeados. Estava decidida que não mais navegaria. Foram anos e anos à deriva, cortando mares, saqueando embarcações, pulando para lá e para cá com sua perna de pau. Quantos sóis nasceram e quantas luas morreram no fundo de seus olhos de vidro. Mas já estava cansada, depois então que o papagaio que andava em seu ombro foi embora perdeu totalmente o ânimo.

Começou a beber mais e mais. A tripulação começou a lhe olhar desconfiada, afinal fazia dias que ela não jogava ninguém ao mar. A última corsária estava em crise existencial, emocional, zodiacal. E isso afetava todo o curso marítimo. Capitães e marinheiros perderam o medo de navegar. E com isso, perdeu-se a graça. Até mesmo o chapéu negro que lhe identificava de longe ela deixou para lá. Passava a maior parte do tempo trancada no porão do navio com garrafas de rum.

Depois de chegar a uma terra virgem molhando os pés ela decidiu fazer de um marujo qualquer o novo capitão do navio da morte. Era assim que o havia batizado. Tudo isso porque ela ficaria naquela ilha. Queria construir casa, constituir família, conseguir emprego. Estava com enjôo do mar. Mas a tripulação não acreditou naquela água com açúcar. Preferiu pensar que ali havia um grande tesouro e que ela, a pirata, queria usufruir dele sozinha.

Torturaram-na de todas as formas para que ela revelasse o mapa do tesouro. Mas ela insistia em repetir a mesma história de que enjoara do mar. Eram bofetadas e beijos covardes em seu corpo. Ela gritava, pedia clemência. E como ali não havia prancha nem crocodilo, eles trouxeram-lhe a morte por meio de punhaladas. E foi ali, junto às ondas daquele mar selvagem, que escorreu o sangue da última corsária. Um sangue salgado de tanto mar e com cheiro de rum.


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