Daniel Campos

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08/09/2012 - A senhora que quarava

Roupas postas para quarar quando o sol está posto. Ao contrário de flores aquela senhora semeia peças de roupa pelo quintal. Camisas, vestidos, calças, blusas... As roupas sujas, depois de ficarem de molho em baldes, vão para o chão. Ao contrário de corpos, aqueles tecidos ficam nus naquele cimentado. Uma vitrine diferente de tudo o que as madames já viram. Ali não caimentos, cortes, bordados, modismos não são levados em conta. Tanto que naquela coreografia do quarar uma das pernas de uma calça remendada fica sobre o barrado de um vestido de grife. Ali, naquele quintal, tudo não passa de roupa suja.

Para aquela senhora não importa se a roupa é da lida ou de baile, todas têm que ser quaradas. O sol faz verdadeiros milagres em matéria de limpeza. Tira manchas de terra, de bebida, de graxa, de batom, de comida. Ela não sabe explicar quimicamente como se dá essa limpeza, mas sabe como ajudar nesse milagre. Estende as roupas ainda molhadas no chão. Depois, volta e meia, vem com um balde d’água molhando as peças. Faz um movimento curioso com as mãos, jogando água aos punhados sobre os tecidos. É como se aquelas roupas brancas e pretas e coloridas fossem seu jardim. Sim, ela é uma espécie de jardineira.

Tem prazer de ver aquele quintal cheio dessas flores de sabão. Sabão de barra, batido em tacho por aquelas mesmas mãos que regam as peças de roupa. O sol do meio-dia é ideal para esse serviço. Depois de horas e horas quarando, as roupas voltam para o tanque para serem esfregadas. Algumas ainda precisam quarar por mais um dia, outras já estão completamente limpas. Podem seguir para o varal e depois para o ferro à brasa e depois para as gavetas e cabides. Dia após dia, aquele cimentado rústico do quintal absorve não só a água suja das roupas, mas suas lembranças.

Por ação do sol, os momentos vividos por calças rancheiras e camisas finas, por roupas íntimas e de cama ficam pelo chão daquele quintal onde a senhora caminha de pés descalços.


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