21/11/2010 - A senhora não vai
Hoje é domingo e a senhora não vai à missa da Igreja de Nossa Senhora das Graças nas primeiras horas da manhã. Hoje é domingo e a senhora não vai quebrar o jejum, depois da hóstia consagrada, com um gole d’água e um copo de café preto. Café primavera. Hoje é domingo e a senhora não vai ligar o rádio nas estações sertanejas, tão caipiras como nós. Hoje é domingo e a senhora não vai ao mercadinho, não vai se vestir de linho, não vai colocar um pouco de açúcar no vinho. Hoje é domingo e a senhora não vai bebericar uma caipirinha na beira do fogão.
Hoje é domingo e a senhora não vai arrumar os mais de vinte lugares da sua mesa. Hoje é domingo e a senhora não vai se preocupar com frango assado, com bife a role, com polenta, com maria mole, com sorvete de ameixa, com pudim de padaria. Hoje é domingo e a senhora não vai molhar o seu jardim, não vai se sentar ao lado do alecrim para espiar o movimento da rua. Hoje é domingo e a senhora não vai receber visitas ou telefonemas. Hoje é domingo e a senhora não vai acender velas no quintal, rezar terços no rancho, fazer novenas na sala de jantar.
Hoje é domingo e a senhora não vai dançar uma valsa com seu marido. Hoje é domingo e a senhora não vai colocar os pés no sítio. Hoje é domingo e a senhora não vai fazer seus bordados e chuleados. Hoje é domingo e a senhora não vai assistir desenhos ou filmes com uma bacia de pipoca no colo. Hoje é domingo e a senhora não vai forrar a cama com aquela colcha rosa. Hoje é domingo e a senhora não vai cochilar depois do almoço com as portas da casa escancaradas. Hoje é domingo e a senhora não vai tratar das tartarugas, das cachorras, da passarada.
Hoje é domingo e a senhora não vai me olhar com aqueles olhos miúdos detrás das lentes grossas de seus óculos. Hoje é domingo e a senhora não vai me abraçar tendo um avental abraçado a sua cintura. Hoje é domingo e a senhora não vai chorar as tristezas, saudades e dificuldades das histórias vividas e contadas pela própria boca ou pelas bocas alheias. Hoje é domingo e a senhora não andar de pés no chão. Hoje é domingo e a senhora não vai cantar canções que já não cantam mais. Hoje é domingo e a senhora não vai apoiar seu braço junto ao meu para caminhar por aí.
Hoje... Caminhar por aí... É domingo... A senhora não vai...
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