22/11/2012 - A saudade corta
Por mais que meu corpo fique quarando sob sol e chuva, a saudade continua impregnada. Eu me lembro, com nitidez, da senhora estendendo as roupas vindas da roça no cimentado do quintal formando um jardim de tecidos e cortes. Uma arte tão abstrata em sentidos quão concreta em perseverança.
Manchas de terra, de óleo, de comida sendo tiradas por meio de uma receita tão antiga quão nossa identidade. De quando em quando, as mãos, também manchadas, jogavam punhados de água com sabão sobre aquelas peças. Um, dois, três dias quarando, as roupas soltavam toda a sujeira, por mais pesada que fosse.
Pois já se foram anos quarando no campo da distância e até agora as manchas da saudade continuam presas em mim. Acredito que elas ficaram ainda maiores e mais intensas. De tanto ser regado por lembranças, a saudade foi se infiltrando em meu eu mais profundo.
Para além das roupas plantadas temporariamente no quintal, com a experiência de quem também, por tantas vezes, acompanhou a senhora batendo com uma colher de pau aquela panela de polenta, tenho a sensação de que o tempo bate a minha saudade até ela alcançar o ponto de cortar. Pois a saudade corta.
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