29/06/2008 - A noiva de São Pedro
Um dia ela chegou de vestido branco remendado com um buquê de flor de São João derramando das mãos. Era a noiva mais cobiçada da quadrilha. Tinha olhos de fogueira, sorriso de bandeirolas e corpo de viola caipira. Mas ninguém tocava aquelas cordas, posto que para todos os efeitos, ela era noiva de São Pedro. Sua mãe a prometera ao santo, caso ela vingasse. Nasceu fraquinha, quase morta, cheia de complicações, por volta dos dias do santo que, segundo a lenda, guarda a chave do céu. Não demorou muito para sua mãe, religiosa convicta, prometê-la ao santo. Por mais estranho que possa parecer, o povo do lugarejo levava essa história a sério e ela era considerada uma pessoa santa para os fiéis e uma fruta proibida para os infiéis.
Seu nome? Perina. Ou melhor, Perina de Pedro Alves Sobral. Na verdade, o nome foi dado meio que a contragosto de sua mãe. Culpa do tabelião do cartório de Registro Civil que bateu o pé e não aceitou registrar a menina como Pedra. Veja lá se isso é nome de gente. Deu muito trabalho até que os entendidos do local convencessem a mulher que o feminino de Pedro era Perina. Mostraram dicionário e tudo para ela. No entanto, ela só se conformou, um pouco mais, quando incluiu o nome do santo na nomenclatura da garota. Bem que o tabelião tentou, mas daí não teve jeito. Ficou Perina de Pedro mesmo. Mas o pessoal a chamava era mesmo de a noiva de Pedro.
Todo dia 29 de junho os foliões arrumavam o festejo e ela se casava com São Pedro. E isso já acontecia há 23 anos. Suas amigas namoravam, mas homem nenhum queria saber dela. Era pecado. Imagina só, roubar mulher de santo. O castigo, no mínimo, devia ser uma longa estada no inferno. Podia ser crendice, mas ninguém queria arriscar. Ou melhor, quase ninguém. Havia um moço, chamado Pedro, que tentou porque tentou namorá-la. Dizem até que a beijou na boca. Mas o indivíduo há uns três anos sumiu sem dar notícia. Corria de boca em boca que o tal Pedro foi vítima de um raio lançado pelo santo. E santo faz vítima? Ah! Se não bastasse o plano celeste, quem se atrevesse a bulir com a menina tinha que se preocupar com o pai dela. Tião Quebra-Queixo era um desses caipiras enfezados que andam com uma espingarda a tiracolo e não hesitam em dispará-la no lombo de quem o tira do sério.
Dessa forma, a menina não encontrava nenhum candidato a subir por suas tranças. No dia da tal festa de São Pedro, a menina tinha que fazer trancinhas no cabelo, manchar o rosto com um pó vermelho e fazer pintinhas pretas nas bochechas. Colocava um chapéu de palha enfeitado de rendinhas e o tal vestido de noiva caipira. Não havia nada pior do que a tal veste. Enquanto criança, a tal tradição era até bonitinha. Mas depois que cresceu, perdeu a graça. Mas vá dizer isso para mãe ou para o pai da noiva de Pedro. Era dor de cabeça na festa. As meninas que antes tinham inveja da tal noiva, agora zombavam dela. Quando ia chegando perto do dia 29, a moça chorava como que condenada à morte. E não havia autoridade que desse jeito nisso. O prefeito, por questões políticas, não queria se meter. O delegado era padrinho de Perina. E o padre da igreja, um velhinho corcunda, achava tudo aquilo o máximo.
Só restava Perina cumprir o tal ritual. Em volta da fogueira e às voltas com muita canjica e quentão, a menina tinha que dançar a quadrilha. E devia ser a única quadrilha sem noivo a se apresentar pelo sertão afora. Ou melhor, noivo vivo. Afinal, ela dançava e se casava com um quadro de São Pedro. Pode parecer loucura, mas ao som dos rojões e dos aplausos, Perina tinha que beijar o tal quadro. Santo Antônio disse missa, São João benzeu o altar e São Pedro está dizendo, venham todos a beijar. Sob esse coro, a menina tinha de flertar respeitosamente com o santo. A cada novo ano, o casamento era renovado.
Ah! Que vontade de rasgar aquela imagem, de se despir, de jogar o vestido na fogueira e se entregar, ali mesmo, a qualquer um daqueles matutos. Era grata ao santo, mas não queria que ele fosse seu dono para todo o sempre. Precisava viver suas paixões, seus desejos, seus amores. Além do romantismo de menina, o instinto de fêmea falava mais alto do que qualquer suposta vocação para freira. Ainda mais para o voto de castidade. Mas ninguém entendia isso. E ela já estava farta de ser incompreendida. Tentou se divorciar daquela crendice, mas a última vez que se rebelou teve de passar três meses a pão e água. Devido ao seu comportamento um tanto quanto sapeca vivia sob penitências.
Dentre tanta maluquice, restava-lhe a esperança de que, um belo dia, São Pedro descesse dos céus com um cavalo branco e a levasse para longe de tudo aquilo. Já que era sua noiva por que ele não vinha buscá-la? Que tipo de casamento era esse? Por que a abandonara? Será que não fazia gosto dela como sua esposa? Se não houvesse outro jeito, queria viver feliz com ele. Enquanto ela delirava fantasias vindas de seu desespero, dava os braços para o quadro de São Pedro e, entre um balanceio e outro, seguia o caminho da roça.
Comentários
Eu acho que o conto deveria ter como final a vinda do Pedro, não o divino, aquele que dizem que a beijou e casar-se com ela vestida de caipira
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