30/07/2012 - A mulher gilbertiana
A música de João Gilberto é como uma mulher que passa com corpo de violão sem se importar com o tempo ou se caminha na contramão dos modismos. Sim, a bossa-nova é uma mulher com balançado próprio, com uma batida diferente que mexe com o ritmo de uma gente feita de barquinhos e beijinhos. Sua voz baixa e delicada, no ápice da afinação, invade nossos poros e aflora a nossa imaginação, além de instaurar um estado de bem-estar em nosso corpo físico e mental. Voz e melodia tomam caminhos diferentes que se encontram mesmo que distantes.
A música gilbertiana é mágica. Tem algo da flauta de Pã, da lira de Orfeu. A música de João Gilberto tem a alma do canto do cisne, do rouxinol, das cascatas, do vento. Diante da mulher que personifica essa batida, os pássaros abrem as asas, as flores irradiam perfume e os corações se apaixonam. Uma mulher estilizada com seus arranjos e buques. Passa numa coreografia única com um pé no samba e outro no jazz. Passa misteriosamente inédita, numa estética ensolarada que confere mais e mais beleza à coisa amada.
A mulher gilbertiana, embora real, tem ares de lenda. É única, embora apareça em diversas variações rítmicas. Surpreende com sua singeleza complexa ou com sua complexidade singela. A mulher bossa nova é um enigma com lirismo intenso. Passa mexendo com a marcação do surdo, encontrando o tamborim. Passa com polegares tocando o seu bordão, com dedos indicadores, médios e anelares percutindo seus acordes. Passa numa figura rítmica que provoca deus e emaranha os sentimentos numa mistura de música e silêncio.
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