Daniel Campos

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23/09/2010 - A frustração da primavera

Assim como as roupas dependuradas no varal, a lua cheia já não é tão branca assim. E o pior é que ela não foi pichada por algum apaixonado num ato de total desespero. Ela está fosca, como que coberta por uma camada de fuligem. Perdeu o brilho característico e agora adoece caída no céu. As estrelas foram todas queimadas. Não sobrou uma sequer para contar histórias sobre as constelações de aquário, de touro, de leão... O céu é de uma escuridão suja, como que coberto por cinzas. É isso, a noite virou uma eterna quarta-feira de cinzas, tão nostálgica quão triste das fantasias passadas.

Pelo ar ecoa um cheiro forte de óleo aromático, como se algum místico tivesse acendido um grande incenso. Os olhos coçam, as narinas ardem, os pulmões sofrem. Na verdade, o imenso bosque de pinheiros que se esparrama por léguas a fio pegou fogo. Imensas labaredas galopando pelos campos tendo como combustível o óleo dos pinheiros. Quem ateou fogo no bosque não pensa na tristeza das crianças que vão ficar sem árvore de Natal este ano. O que sobrou foi um cemitério de galhas e raízes chamuscadas.

O vento também pegou fogo, chega toda vez cheirando a incêndio, febril e num bafo de insolação. Quando um poeta cantou há muito tempo que a natureza estava morrendo eu pensei que fosse apenas poesia. Enganei-me. Enganaram-me. Enquanto vejo a lua agonizar sob as velas dos pinhos, uma garrincha canta o mau-agouro como se estivesse feliz da vida com aquele cenário. E não há quem contradiga sua felicidade. Os galos, os canários, os gatos, os violeiros, os trovadores, os poetas da lua estão tão mudos que dá pra ouvir o choro dos pinheiros e a frustração da primavera.


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