Daniel Campos

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03/12/2010 - A cor da saudade

Naquela mulher as linhas se alinhavam em destinos e desatinos como numa confecção particular. O maquinário moderno se mistura ao pedal da velha Singer que ficou num canto. Olhos de algodão. Palavras de tricoline. Braços de fita. Passos de gorgurão. Entre um ponto e um pesponto, as tesouras vão tentando cortar as cenas tristonhas e as fitas métricas vão medindo a saudade enquanto alfinetes se acumulam naquele coração que ora é de tecido ora é de carne.

Como é duro admitir que a vida fora do ateliê não é feita sob medida, tampouco cabe em moldes pré-desenhados. Os pais colocaram o pé na estrada deixando-a sem abraço sem boneca. Além do que um dos filhos habita outro mundo, a cachorra deixou de latir e o sogro já não vem. Os sonhos tiveram que ser reformados, remodelados, remendados, porém na sua camisa, de agora em diante, sempre hão de faltar alguns botões. Mas é preciso enfrentar essa vida que um dia é de seda, noutro de juta.

A modista, entre carretilhas e chuleios, vai amarrando os retalhos de seus anos em uma grande colcha de lembranças. E ela vai tentando esconder o triste que existe em si por debaixo do chiffon, do tafetá, da renda, do cetim, da sarja. Mas as lágrimas vazam até mesmo a flanela das tramas que o tempo lhe traz. Tanto faz se a costura é delicada ou rude, o que ela quer é seguir vestindo o mundo de nude. E nude é pérola, bege, cáqui, salmão, rosados, pastéis, gelo, enfim tudo que remeta ao básico “tom de pele”.

Depois de tantos anos e planos; acertos e enganos, aquela mulher que nasceu de uma Maria e de uma Etelvina descobriu que nude é a cor da saudade.


Comentários

03/12/2010, por ETEL:

DANIEL adorei a homenagem ,como sempre chorei de emoção ,sinto muito a sua falta ,TE AMO MUITO ,BEIJOS


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