Sentimentaria
14/12/2008 - Sou dia, sou noite, sou tempo não compreendido
Olá, tem alguém aí do outro lado de mim? Quem é você, como se veste, como se deita, como me olha? Eu aqui tão exposto, tão nu... Sou sentimento ao vento. Acenda as velas, flerte o vento a estibordo, caminhe sobre a prancha... Mas antes de partir, me conta de você. Como está, como se vê no espelho neste dia, nesta noite, neste tempo ainda não compreendido? Você é homem, mulher, criador, criatura ou alguma espécie de anjo? Eu acredito em anjos, arcanjos, querubins e outras ordens celestiais. Principalmente, em cupidos. Olha por entre as letras e veja meu peito ferido. A flecha ainda sangra esse amor desmedido.
E quanto a você, já sentiu alguma dessas flechas transpassando suas vísceras? Atualmente, ama ou desama? Qual a temperatura de seus lábios? Não, não tenha medo de dizer. Aliás, não tenha medo de se dizer. Não fuja das flechas, o amor nasce em mechas nas encostas do dia, da noite, deste tempo ainda não compreendido? Não se negue, tampouco carregue o peso de ser só. Não há nada mais anti-natureza do que a solidão. Se eu estivesse errado, Deus não haveria de querer ser pai. Enquanto temem a morte, eu temo uma estrada sem cruzamentos. É preciso amar e se cruzar e sofrer bifurcações ao longo dessa vida. Caso contrário, você terá contrariado a própria existência.
O que vale o ser humano sem amor? Sinceramente, não sei. Até mesmo Deus amou, senão não teria criado o mundo em sete dias. Só o amor inspira, transpira, revira e respira ao mesmo tempo a criatura amada. Qual a sua dose de inspiração? Você tem conseguido transpirar o suficiente de medo e desejo? Quando foi a última vez que se revirou pelo avesso? Sua respiração tem conseguido colorir seus alvéolos? A beleza da garça que se esgarça pelos altos céus, num vôo longo e leve, é muito mais poética do que o rastejar da serpente. Mas se você prefere ser serpente, faça isso com gozo e coloque o máximo de prazer no ato de se esfregar mundo afora num dia, numa noite, num tempo ainda não compreendido.
Não importa se você é Adão, Eva ou a maçã, desde que consiga trazer o paraíso para sua caminhada. O maior sofrimento é o medo de sofrer. Assuma, exista e insista no amor quantas vezes for preciso neste dia, nesta noite, neste tempo ainda não compreendido. Por favor, não engrosse o coro dos desapaixonados. Eu sei que por trás desse receio pulsa um coração e um novo dia, e uma nova noite e um novo tempo incompreendido. Ah! Salve São Sebastião! Por amor, despido e amarrado a um tronco. Por amor, alvejado de flechas. Por amor, abandonado em sua sangria. Ama e não se preocupe com as flechas. Ama com devoção e bravura. E se for preciso ser mártir deste amor, que o seja.
Olá, olha eu aqui deste outro lado, tão nu, tão desarmado, flechado de amor e suas variações. Ah! Escuta o canto da minha felicidade ecoando por seus poros. Sinta a pulsação lhe explodindo numa selvageria. Sinta cada súbito de seu corpo, cada arroubo, cada arrepio, cada tontura e redimensiona tudo isso. Deixa de lado toda armadura, todo escudo, toda lança... ao menos uma vez, entra na arena de peito aberto, cavalga sem cela, sinta o vento percorrendo seu corpo nu. E neste dia, nesta noite, neste tempo ainda não compreendido, quando sentir a primeira flechada entrando em sua carne, ame seu destino de apaixonado e proclame o próprio amor.
Ah! Onde estão os cupidos? Ah! A rosa e o cravo, o ventre e o gemido, o ser e o não ser se amando em um mesmo vento. Vento de sentimento. Ah! Escuta o que diz o vento. Ah! Abra os braços e se entrega ao vento. Quem sabe você não tem asas escondidas sobre esse corpo. Duplique, triplique, quadruplique seu tamanho. Agiganta-se. Ame até morrer de tanto amar, como a cigarra que morre de cantar. E quando morto, chora o amor nos dentes de alguém, como árvore que canta na dentição da serra. E quando mais que morto, brota desta terra que lhe devora a cada instante como semente de um dia, de uma noite, de um tempo ainda não compreendido.
Que venham as flechas, sou dia, sou noite, sou tempo ainda não compreendido.
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